A bélica, delinquente e sagrada sala de cinema

Escrevi, o ano passado, este texto para a revista Granta, a pedido de Pedro Mexia. Foi com uma alegria infantil que voltei às salas de cinema da minha infância e adolescência. Agora, mais de meio-ano depois, e acabada de publicar uma nova Granta, trago o meu mini-ensaio para esta Página Negra. É um texto longo, aviso – é preciso uma chávena de paciência e uma colherinha de vontade para se ler até ao fim.

Miramar

A bélica, delinquente e sagrada sala de cinema
Manuel S. Fonseca

Padre, polícia, sargento. Sargento, polícia, padre. Foi esta a litania que encafuou a minha vida na bélica, delinquente e sagrada sala de cinema.

Explico-me louvando-me na inescapável biografia. Até aos cinco anos de idade, tanto como a electricidade, a imagem era-me estranha, sendo ambas, electricidade e imagem, práticas ou técnicas que pressentia inumanas. O meu primeiro choque com esse bestiário civilizacional foi em Lisboa, numa qualquer agência que preparava, em 1959, as famílias lusíadas para a colonização do ardente império onde António de Oliveira Salazar nunca pôs a mansa pantufa. A mão camponesa de minha mãe, com o seu doce aroma a bravo esmolfe, levantou-me a lavada meia manga da camisa para que um enfermeiro me agraciasse com a tripla vacina tropical – febre-amarela, varíola, cólera – e, ia eu começar a fungar, apagam-se as luzes e vi, pela primeira vez, a imagem.

Irrompem da parede branca uns luminosos pretinhos, os primeiros pretinhos da minha vida, ranhosamente sorridentes, seminus. Corriam na parede de luz, saltavam, fugiam às mães, sem nunca saírem do rectângulo que fulgurava no escuro da sala. Eu já tinha visto um lobo, duas raposas, já andara de burro e mula, vira o vertiginoso Inverno feito água em fúria na curva do Coa que fica mais perto de Vale de Madeira, Pinhel, mas só agora via, por fim, a unicórnia imagem e o esplendor explosivo, porventura mentiroso ou pelo menos fingido, dessa luz branca aureolada a sombras, coisa que por eu não saber dizer então, logo ali me cegou e engasgou, em ledo engano me embalando para sempre. Esta era a imagem que em verdade, em verdade me disse: abre os olhos e vê.

Poupo os leitores à viagem transatlântica no paquete Vera Cruz até Luanda. Os meus pais eram muito ricos, não tendo, como as pessoas verdadeiramente ricas, mesmo dinheiro nenhum. Fui, por isso, morar num musseque, o mais livre, acre e lendário dos musseques, o Sambizanga, um bom meio quilómetro para o interior, a contar da Casa Branca, território do tamanho de Dante, se é que eu não queria mesmo dizer, da Divina Comédia, tão labirínticos eram os seus círculos concêntricos.

Ainda não voltara a ver a imagem, e veio o 4 de Fevereiro de 1961. Camuflados nas silenciosas barbas da noite, nacionalistas angolanos assaltaram prisões, o forte colonial. Os tiros correram pela madrugada como boémios desgarrados. Eu ainda não tinha ouvidos para ouvir e não ouvi esses independentes tiros da rebelião, mas lembro-me, apesar de ser a céu aberto em plena rua, e lembro-me como de mais nenhuma imagem, desse primeiro domingo a seguir ao 4 de Fevereiro. Foi o meu encontro com a angustiante vida real. Corriam outra vez os pretinhos e perseguiam-nos bandos de famílias brancas – e outros negros e cabo-verdianos, diga-se –, atacando-os a golpes de paus e pedras, o lombo pesado do ramo da palmeira, e não havia essa imóvel parede de aureoladas sombras e mecânica luz para onde os meus desvalidos e sacrificiais anti-heróis pudessem fugir e fingir ser mentira a dor e o sangue que deveras sentiam. Em verdade, em verdade vos digo, esta era a imagem que qualquer um veria mesmo de olhos fechados e só quem não tem olhos para ver atirará a primeira pedra.

 O padre

shane

Tinha eu, portanto, sete anos e duas imagens, a imagem explicativa de Lisboa e a imagem implicativa de Luanda. Ambas eram verosímeis, qual delas a verdadeira? De uma e de outra salvou-me o padre anti-hitchcockiano.

O episódio de Sir Alfred é conhecido. O carro que lhe levava o peso ofegante por uma estrada nas montanhas suíças passou por um cura e um rapazinho, a mão do padre no ombro do moço. Ecoou pelas colinas a católica suspeição do grito de Hitchcock: “Run for your life, boy.”

Já o meu padre nunca quis saber do meu ombro, só dos meus olhos. De hábito franciscano, a chicote, que era o cordão do piedoso burel marron, punha em ordem a vagabundosa fila de miúdos negros e esparsos infiltrados brancos a que eu me juntava, impaciente por entrar numa suposta caverna e ver o mistério que se ia oficiar. Íamos ver o rapaz, íamos ver o artista.

Paguei o quê? Um angolar? Era uma sala de bancos corridos, sem costas, por serem costas os joelhos dos da fila de trás. Janelas altas, depressa tapadas por umas corridas cortinas negras. Preso à parede do fundo, um esticadíssimo lençol. Fez-se um escuro de alcatrão e uma violenta e luminosa realidade entrou na transparência da minha vida e dos meus sete anos. A sala escura encheu-se de cores americanas, iguaizinhas às que em Marrocos levaram Nicolas de Staël à pintura e depois ao leniente suicídio. As cores americanas vinham a cavalo, verdes e magentas num bosque ou ribeiro, o amarelo-torrado de um fero, seco e estéril monte, o luzidio negro de um colt a cuspir vermelho e som. Era um western e não era coisíssima nenhuma que não fosse o paraíso, ou céu, como então eu chamava ao paraíso.

Esta já não era a imagem explicativa de Lisboa, pequeno rectângulo a preto e branco, pedagógico, transparente e sem esquinas; esta também não era a imagem real, fixa, e por isso assustadora, dos vizinhos perseguidos e perseguidores do 4 de Fevereiro, do inapagável sangue que fica na casca do ramo de palmeira. Esta nova imagem era a imagem de um conluio americano com os meus padres capuchinhos italianos e redimia, em glória e artifício, a imagem explicativa e a imagem implicativa. Por aquela imagem, pela imagem do cinema sem nome da Missão de São Domingos podia fugir-se, e já corrijo, podia subir-se à montanha das bem-aventuranças. Cinema de cavalos, saloons, espadachins, trirremes, ben-hures e espártacos, beijos roubados, céus em azul cião.

  Ia dizer que a sala do cinema sem nome tinha, no seu negrume capuchinho, a cara tisnada da inocência, mas minto. Tinha era o corpo inquieto e a voz aguda e vibrante da inocência. A inocência era o corpo em labaredas de uns cem candengues, cem miúdos, que lambiam o esticadíssimo lençol branco, numa apoplexia de bom-dia à felicidade, que nunca mais voltarei a soletrar assim. Gritava-se, apostrofava-se, ululava-se, aplaudia-se. Ah, a insustentável e cósmica dilatação do esticadíssimo lençol, que ficava muito maior do que mundo e vida! Sim, a ameaçadora tela engolia-nos e nós, para avisar o artista, atirávamos-lhe tudo o que tínhamos à mão, por fim os sapatos. Esta foi a imagem que o meu padre me deu, a do cinema onde entrávamos calçados e, cheios de um amor franciscano, saíamos descalços.

 O polícia

La violetera

À Sétima Esquadra da PSP de Luanda acariciava-a a brisa mítica que os westerns emprestam a taxa de juros zero ao Sétimo de Cavalaria. Alvo dos nacionalistas rebeldes do 4 de Fevereiro, a esquadra ocupava uma posição estratégica no enquadramento do fim da cidade do asfalto com os musseques a sudoeste e a estrada de Catete, via de saída de Luanda para o interior de Angola. A cruel mistura de lenda, heroísmo e estratégia fê-la crescer, convertendo-a num forte a que, como condecoração, se deu um cinema. Havia, para os polícias e famílias, uma boa sala de cinema, a céu aberto, na Sétima Esquadra. Chefes e subchefes no balcão, agentes na plateia.

Sem que Salazar soubesse, confirmando assim o que os nossos pais diziam da putativa corrupção dos ministros dele, nós, os miúdos do bairro, furávamos o regime corporativo e vínhamos, mini-foras-de-lei e em incipiente delinquência nos intestinos da lei e ordem, ver as matinés de Marisol e Joselito, La Violetera de Sarita Montiel, Cantinflas e outras obscenas amenidades para maiores de 6 anos. Como depois, quando crescemos para a idade dos heróis de Stand by me (esses macaquinhos de imitação do que, muito antes, os meus amigos e eu vivemos), viemos à procura de outra imagem, a dos filmes draculianos e exorcizantes, de que saíamos aterrorizados, dez minutos até casa numa nocturna caminhada tropicalmente gelada por cada fantasma cintilante, por cada reflexo bizarro, pelo assobio da viração do vento nas árvores, pela fugidia sombra num quintal, mil demónios e cazumbis a morderem-nos o cáqui dos calções e as nossas pernas lisinhas, um medo bruxo, de caixões e nosferatu, a bombear-nos o coração.

Eis a dupla imagem que, depois do meu padre, o meu polícia me deu. Primeiro, a imagem da frivolidade, da alimentar, desopilante e formativa frivolidade. Por causa das prendadas filhas, as mais bem vestidinhas dos chefes e subchefes, sereias mudinhas que nos obrigavam a virar o pescoço volúvel e dúctil para o balcão, o meu polícia fez prevalecer a sala de cinema sobre o filme, sofrida, amarga e mesquinha traição, que os meus amigos e eu fingíamos não ver ou sentir e escondíamos uns dos outros.

O meu polícia deu-me, depois, a experiência do oculto e do sobrenatural e desse foguetão afectivo que a acompanha, o sentimento apaixonante chamado medo. Saí da Sétima Esquadra armado, dois coldres à ilharga, num a deliciosa frivolidade, no outro, o nocturno estrado do medo.

 O sargento

rain people

Era um quartel. Do outro lado da Estrada de Catete para quem vinha da Vila Alice, passado o Colégio dos Maristas e o Seminário, na estrada de areia dos quartéis, o RIL, Regimento de Infantaria de Luanda, tinha um cinema a que o nosso pós-infantil e desgovernado ideal de heroísmo militar chamava, com desdém, o cinema dos sargentos. Esplanada ao ar livre, ecrã gigante, uma plateia férrea e geometricamente hierarquizada em oficiais, sargentos e praças, foi nesse cinema, com o Cruzeiro do Sul por testemunha, que descobri a mulher adulta, casada e autónoma.

E tenho antes de dizer que, sentado na fila da frente, a minha mão quase a tocar a locomotiva que Buster Keaton conduzia, já lá descobrira o silencioso segundo riso, que, pelas alminhas, não deve ser confundido com o reactivo anti-riso contemporâneo, a que talvez o impiedoso Nietzsche chamasse humor de escravo. Keaton apareceu-me num fim de tarde de domingo, o filme chamava-se The General, mas a tradução portuguesa, Pamplinas Maquinista, mais reforçava a festiva euforia do que hoje seria o quim barreirismo da matinée infantil. Andava já de adolescência inquieta e começava a fazer fine bouche (se assim posso dizer) à gargalhada de boca, rapidinha e esquecível. Ora, cada gag de Keaton era depois da gargalhada que se agarrava ao palato. Peço desculpa e a mais benigna compreensão do leitor para o que vou dizer: Keaton traficava uma imagem que, sendo já de boa boca, tinha um fim de garganta funda, como se diz, entendamo-nos, que só os vinhos de Bordeaux têm. O humor dele era, descendo em espiral, riso depois do riso, segundo riso, um riso de peito e alma.

E já salto do comboio de Keaton para voltar à mulher. A mulher casada deu-ma a descobrir o meu sargento, mostrando-me Shirley Knight, ao volante de uma station, a deixar a sua casa numa plácida smalltown que, tivesse Angola auto-estradas, podia ser de Angola. Eu vi-a, de uma das minhas noites de cacimbo dos dezassete anos, saía ela de casa numa manhã de Inverno. A chuva pequenina, cambutinha, prima do cacimbo angolano, espalhava poças pelas ruas de Chattanooga, no Tennessee, onde Francis Ford Coppola filmou esta mulher grávida que, sem destino, deixa mansamente o marido e se mete à interminável estrada.

A luz, meu Deus e meus amigos! Tão fina e filtrada a luz, luz do sudeste americano a arrancar brilhos e reflexos ao asfalto, uma renda de humidade, a imarescível humidade que a insatisfeita melancolia, se autêntica, não ousa dispensar. Shirley Knight encosta e acolhe a essa melancolia dois homens, James Caan e Robert Duvall. E Shirley devia ter-me acolhido a mim: eles não a amaram e incompreenderam mais do que eu.

Tudo nessa Shirley Knight é gentil, salvo o que é inexplicável ou insondável, que é praticamente tudo. As suas indizíveis razões, a sua inegociável solidão, a sua seguríssima incerteza comoveram a minha adolescência e eu, no cinema do meu sargento, que já me tinha dado a imagem do desumilhante e nietzschiano segundo riso, tomei de assalto a imagem independente e impossuível da mulher. Numa esplanada de ancas oferecidas à lua, ao cacimbo e às estrelas, o mouco rumor da guerra colonial que a plateia de soldados insinuava, conheci e entrou-me na pele a imagem da grave e errática liberdade da mulher casada. Quero que conste no meu cadastro: The Rain People chamava-se o filme de que Chove no Meu Coração foi o piedoso título português.

A sala e o telhado

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Com excepção do cinema dos padres capuchinhos, na Missão de São Domingos, até aos dezassete anos, mais de 90% dos filmes que vi, vi-os com os olhos a fugir para o céu. Muitos na melhor das minhas salas, o cinema Miramar, o mais belo do mundo, levantado, como John Wayne levanta Natalie Wood em The Searchers, sobre as barrocas de Luanda. O Miramar, logo depois do seu jardim com as weliwítschias de longos braços estendidos atrás do pasmoso ecrã, caía a pique sobre o mar, tendo em fundo a baía, guindastes e os grandes navios conradianos do porto de Luanda, as refulgentes locomotivas do caminho-de-ferro da linha de Malange. Foi no meio dessa barriga de vida que vi, quinze anos, ainda mal o meu polegar do pé direito roçava a cinefilia, o Pierrot le Fou, de Jean-Luc, esse torcionário Godard, que tão depressa me salva de afogamentos, como me embrulha a cabeça numa toalha, enfiando-ma na água de uma banheira.

Sei, contaram-me, da teoria uterina da sala de cinema. O útero dos meus filmes tinha a escuridão da noite original, primeva, tinha nuvens e ventos, estrelas e lua, às vezes o lampejo líquido, um clair de mar. E que não se tenha o impudor de confundir este meu mergulho, de prazer visceral, com a deriva tubo de escape do drive-in. Vi filmes cercado de cosmos por todo o lado, menos por um: o istmo que me aproximava umbilicalmente da clássica sala de cinema era a plateia cheia. Nas minhas esplanadas, a tropical céu aberto, o meu pequeno eu sentava-se lado a lado, à frente e atrás, com uma alienada massa de zombies enfeitiçados, olhos, esqueleto e almas entregues à mais genuína, total e torrencial crença. O meu espanto de alma, o meu pequenino fervilhar do baixo-ventre, a ânsia do meu coração pateta, o êmbolo irrespirável que me devastava os pulmões nunca estiveram sozinhos. Juntos, como na gruta de Lascaux, éramos uma plateia farfalhante, sentados em cima do mesmo medo, do mesmo desejo, da mesma alegria. Estremecíamos, sufocávamos, ríamos, chorávamos pré-historicamente em conjunto. Repare-se, estávamos ali sentados, ligeira inclinação para o ecrã, posição fetal, em pleno parto, nascendo de novo a 24 imagens por segundo. E connosco, novos adões, novas evas, renascia em nós, por nós e para nós, o raio da nua humanidade inteira, nova Gaia, novo Eros, saídos de um escuro e espesso caos.

Tremo só de pensar no rasto de pecado da minha adolescência fílmica. E talvez deva antes dizer, da minha adolescente obscenidade fílmica. Elizabeth Taylor, Gina Lollobrigida, Stella Stevens, Natalie Wood, Brigitte Bardot, Virna Lisi, Ursulla Andress, Raquel Welch, Sophia Loren, Barbarella, ou Jane Fonda sei lá, Julie Christie, com os seus três metros se estivessem de pé, dez metros se bem deitadas, vinham espetar-se-me directamente na veia, num consentimento fulvo e mamífero. O cinema consente.

Hipertrofia da vida, o cinema oferece rostos, ramagem de olhos, nariz e lábios, franja de sexo, como se fossem áscuas de ouro. O cinema esfaqueia, estrangula, assassina e logo, fade out, fade in, a nova imagem, a imagem seguinte tudo lava e redime. Bigger than life, já me juraram e não me mentiram. E é por isso que o cinema hipersensibiliza. Massaja, espanca de luz e bang, bang as nossas glândulas estéticas, arrastando-as para inconfessáveis devaneios psíquicos. Se a este mistério, se a este sombrio ritual se pode chamar uma educação, essa foi a minha educação. Nos anos 60, em Luanda, África Ocidental Portuguesa, futura República de Angola.

Confesso. Eu sou do mais escuro dos séculos, o século XX. Sou do século em que o amor irrompia como um jacto de luz sem beliscar a cósmica escuridão. Jamais desmentiria quem a isto chamasse cinema.

Miramar

E depois digam que não é bom comprar livros

E cá estou eu a fazer de veículo. Pela boca da Página Negra fala a boca da Guerra e Paz. Só sei que se ganham livros.

A Guerra e Paz vai oferecer dois Grandes Prémios aos seus leitores. Os nossos leitores têm sido generosos connosco, comprando livros no nosso site. Vamos retribuir, criando um Prémio Mensal e um Prémio Anual.

Ora, vejamos. Todos os meses vamos dar o Prémio Melhor Comprador do Mês ao leitor que venha comprar aqui mais livros. Começamos já em Junho e o vencedor receberá em sua casa, como oferta, os cinco livros na imagem acima.

De mês para mês, mudaremos os títulos a oferecer ao melhor comprador do mês. Os 5 livros a oferecer em Junho são:

Contradança, Cartas e Poemas de Camões, de Luís de Camões.
Da colecção Livros Amarelos, Pessimismo Nacional Portugal, um Povo Suicida, textos da autoria de Manuel Laranjeira e de Miguel de Unamuno.
O Primo Basílio, de Eça de Queiroz.
Orgulho e Preconceito, de Jane Austen.
Tenho Medo de Partir, antologia de textos de Fernando Pessoa.

Eis o regulamento:

PRÉMIO MELHOR COMPRADOR DO MÊS

  1.       O prémio é atribuído ao leitor que, em cada mês, neste caso de 1 a 30 Junho de 2020, atinja o montante mais alto de compras no site da Guerra e Paz.
  2.       O montante mínimo para que o prémio seja atribuído é 75€. Se esse montante não for atingido, o prémio não será atribuído.
  3.       Aquele montante tanto pode resultar de uma só compra do leitor, como da soma de várias compras que o mesmo leitor faça ao longo do mês.
  4.       Daremos notícia no nosso site e redes sociais da atribuição do prémio e do montante atingido, mas não do nome do vencedor, mantendo-se essa informação reservada, a não ser que o leitor queira revelar a sua identidade.

PRÉMIO MELHOR COMPRADOR DO ANO

Mas temos ainda uma segunda novidade: a atribuição de um Prémio de Melhor Comprador do Ano. Ao melhor comprador do ano vamos oferecer um prémio extraordinário: uma selecção de 50 livros a anunciar mais perto do final do ano. O regulamento é, nesse caso o seguinte:

  1.       O prémio é atribuído ao leitor que, de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2020, atinja o montante mais alto de compras no site da Guerra e Paz.
  2.       O montante mínimo para que o prémio seja atribuído é 450€. Se esse montante não for atingido, o prémio não será atribuído.
  3.       Aquele montante tanto pode resultar de uma só compra do leitor, como da soma de várias compras que o mesmo leitor faça ao longo do ano.
  4.       Daremos notícia no nosso site e redes sociais da atribuição do prémio e o montante atingido, mas não do nome do vencedor, mantendo-se essa informação reservada, a não ser que o leitor queira revelar a sua identidade.

De uma coisa estamos certos, quer em Junho, quer para o Prémio Melhor Comprador do Ano, vamos mesmo entregar os prémios: em Junho, já temos um leitor com aquisição elegível para o Prémio do Mês, como temos também uma leitora, em 2020, com compras a atingir o valor mínimo para o Prémio Anual.

Quem compra livros merece ganhar livros.

Os dentes de Bakunine

Bakunin
O próprio

O russo Mikhail Aleksandrovitch Bakunine ainda tinha dentes quando se encontrou, em Paris, com o alemão Karl Marx. Faço gosto em lembrar que a revolução não estava então de quarentena: era globalizante e viajava que se fartava. Reescreva-se a história: não foi o capitalismo, foi a revolução, as internacionais socialistas, com os seus eslavos, alemães, franceses, Garibaldi e os primos dele, que inventaram a globalização. E, digo eu, fizeram-no na peugada dos nossos navegadores, como escreve en passant Marx, no Manifesto Comunista, nesse tempo em que, mesmo Marx, podia chamar “descobertas” às navegações dos desdentados lusitanos.

Já se viu que, com a minha técnica de crochet, não dou ponto sem nó: eis o que une o anarquista Bakunine aos descobrimentos, o escorbuto. Em Paris, Bakunine bem podia ter beijado Marx, ainda tinha os dentes todos. Bastaria a Bakunine inclinar-se um bocadinho dos seus quase dois metros para o metro e setenta de Marx. O colossal Bakunine, no ano de 1848 em que as bocas das nações europeias regurgitavam revoluções, arrastou o imenso armário que era o seu corpo pelas capitais em que houvesse barricadas, fogo, sangue e gritos. Diga-se, os furúnculos de Marx – chegou a ter três em simultânea impiedade, um na virilha, outro na omoplata, e o terceiro na inquieta nádega – não o ajudaram, forçando-o a uma vida doméstica preenchida por excitantes fugas aos merceeiros, alfaiates e outros credores.

 Mas vejam, as execráveis autocracias europeias, o nefasto suíço, a insidiosa França, o espúrio belga, a torpe Alemanha, uniram-se para encostar Bakunine à parede e condenam-o à morte. Ora, o Czar da imensa e pungente Rússia reclama para si aquele pedaço de homem. Quere-o em prisão perpétua.

Antes já o Czar expropriara Bakunine do seu belo património. Como qualquer grande revolucionário, Bakunine era rico e aristocrata, o que os espanhóis chamariam um señorito. Marx era de família burguesa e casou com uma condessa, a estóica Jenny von Westphalen. Mas se continuo nesta deriva, ainda acabo a dizer que Álvaro Cunhal ou esse grande educador que foi Arnaldo de Matos eram operários metalúrgicos do Barreiro…

O Czar enfiou o aristocrata Bakunine numa minúscula cela da Fortaleza de São Pedro e São Paulo: três anos para a sossega, a que logo se somaram mais quatro nas caves sórdidas do castelo de Shlisselburg. Não sei se a dieta que deram a Bakunine era ou não vegan, mas num sofrimento atroz caíram-lhe todos os dentes. Chegou a pedir ao irmão veneno para se matar. Diz-se que resistiu rememorando dia a dia o mito de Prometeu, esse infeliz Titã que Zeus amarrou a uma rocha, todos os dias uma águia lhe vindo debicar o fígado que se regenerava durante a noite.

Mas eis que morto um Czar, logo outro nasce e o novo Czar o manda para a Sibéria. Os governadores, administradores, não havia um que não fosse primo de Bakunine, no que me atrevo a imaginar uma espécie de tributo avant la lettre à nossa burguesia em tempos de salazarismo. Facilitaram o primo, como até a Pide, em certos casos primos, facilitava. E Bakunine convence o capitão de um libertador barco americano, esconde-se no porão e viaja, primeiro para o Japão, depois para San Francisco, aonde chega um século antes do libertário movimento hippie.

Bakunine foi gigantesco, expansivo, arrebatador, inimigo radical de toda a forma de autoridade, a do estado, a de Deus, e a que Marx vendia sob o nome de ditadura do proletariado, como se fosse um caramelo de Badajoz. Bakunine sabia o mal que isso faz aos dentes.

Crónica publicada no Jornal de Negócios

Os Mais Vendidos de Maio

Uma lista dos mais vendidos diz duas coisas: quem são os leitores e o que é a casa editora

Mas que lista tão bonita a do nosso top de melhores vendas no site da Guerra & Paz no primaveril mês de Maio.

À cabeça os dois livros que lançámos nesse mês, dois livros que floresceram como os jacarandás. Um Mundo Aflito, com texto de José Jorge Letria e as imagens pungentes de Inácio Ludgero, fotografias magníficas de um insidioso vazio, de uma aterradora solidão. Em segundo lugar, o polémico, frontal, Combates pela Verdade, Portugal e os Escravos, do historiador João Pedro Marques, um livro exemplar de racionalidade e clareza argumentativa.

Depois, dois blocos, os livros que dominaram a nossa Feira da Língua Portuguesa, este Almanaque e o Dicionário de Erros Falsos, do professor Marco Neves, o Português se Faz Favor, de Helder Guégués, de novo Marco Neves com a sua excelente Gramática para Todos, e um dos nossos campeões de vendas 2019/20220, o fabuloso Assim Nasceu uma Língua, do professor Fernando Venâncio.

O último bloco tem três clássicos, resultado ainda da nossa campanha Os Clássico Contra-Atacam: dois livros de Eça, a antologia de contos Adão e Eva no Paraíso, e o tão gentil A Cidade e as Serras. Júlio Dinis e a Morgadinha dos Canaviais está em 10º, prova de que o autor reconquistou uma popularidade que se diria perdida.

Ainda está a tempo de levar para casa qualquer um destes livros. Estão aqui três correntes que cada vez mais têm marcado o caminho que a Guerra e Paz quer seguir: um confronto com a história mais recente ou mais remota, uma ligação forte à língua portuguesa – com promessa de novos livros de Marco Neves e Fernando Venâncio ainda este ano – e a continuidade da nossa colecção de clássicos.

Um Mundo Aflito é o número um

A emoção irrompeu pelo top semanal de vendas no nosso site. Um Mundo Aflito, livro de José Jorge Letria, em que brilham, a preto e branco, mais de 60 fotografias de Inácio Ludgero entrou directo para o primeiro lugar. É, como os nossos leitores já sabem, um retrato pungente das nossas ruas, dos nossos jardins, das nossas praças, num tempo de ausência e de vazio causados pelo covid-19.

Depois, cinco clássicos, dois livros de Júlio Dinis, Morgadinha dos Canaviais e  As Pupilas do Senhor Reitor, outros dois de Eça, Adão e Eva no Paraíso A Cidade e as Serras e ainda um livro de António José da Silva, o Judeu, O Diabinho da Mão Furada, dominam um painel em que que se intromete O Pequeno Livro Vermelho de Mao Tsé-tung, em edição precedida por um texto fortemente crítico do editor da obra. Estaremos à beira de uma vaga neo-maoista?

Fecham a lista dos dez mais vendidos a edição de luxo de Tabacaria, de Álvaro de Campos em cinco línguas, o precioso estudo do recentemente falecido Roger Scruton, Como Ser Conservador, e outra novidade, número um na semana passada, Combates pela Verdade, Portugal e os Escravos, do historiador João Pedro Marques.

Eu, como editor, estou rendido ao gosto e às escolhas dos nossos leitores. E amanhã já voltamos a falar de vendas quando fecharmos o top 10 das vendas deste Maio do nosso tão tímido desconfinamento.