O ódio plumitivo

vladimir_nabokov

Sirvo-vos, com todo o gosto, um requintado prato de maldade e má língua.

A mal­dade humana, a intriga mal­di­zente, tem a irre­sis­tí­vel atrac­ção de um prato de tre­mo­ços em espla­nada de Verão. A mal­dade, já se sabe, não tem reserva de admis­são. Nem lhe esca­pam os mais ele­va­dos espí­ri­tos – artis­tas, filó­so­fos, escri­to­res. É por­ven­tura entre eles que os ódios atin­gem mesmo os níveis mais abra­si­vos, roçando a von­tade de aniquilar.

odium plu­mi­ti­vum (permita-se a liber­dade) pode ser, quando a coisa esquenta, um espec­tá­culo de requin­tada mal­dade. T.B. Macau­lay, o 1º Barão de Macau­lay, foi sobre­tudo his­to­ri­a­dor e insosso, mas tam­bém poeta de anti­gui­da­des roma­nas. A sua obra não resis­tiu ao tempo, mas a irri­ta­ção que Sócra­tes (sim, o grego) lhe pro­vo­cava, afiou-lhe o talento e garantiu-lhe a pos­te­ri­dade: “Quanto mais o leio, menos me admiro que o tenham envenenado.”

Macau­lay era polí­tico e secre­tá­rio da guerra. Dir-se-á que a sua natu­ral medi­o­cri­dade o per­fi­lava con­tra a filo­so­fia. Mas entre o russo Nabo­kov e o polaco Con­rad, dois re-inventores da lín­gua inglesa, só mesmo o pho­to­fi­nish con­se­guirá esta­be­le­cer uma hie­rar­quia de geni­a­li­dade. Irmãos no génio, nenhuma afi­ni­dade elec­tiva. O pos­te­rior Nabo­kov leu Con­rad. O meu tão amado “Lord Jim”, um dos roman­ces de todos os sécu­los, deu-lhe a volta ao estô­mago: “Não lhe aturo o estilo de loja de sou­ve­ni­res, os bar­qui­nhos pron­tos a engar­ra­far e os cola­res de con­chas de cli­chés românticos.”

Vir­gi­nia Woolf nas­ceu no ano em que nas­ceu tam­bém James Joyce. Por iro­nia do des­tino, aca­ba­riam por par­ti­lhar igual­mente o ano da morte. Em vida, Woolf foi uma poli­fó­nica rival do irlan­dês, não se dei­xando sub­mer­gir e ainda menos como­ver pela una­ni­mi­dade que a calei­dos­có­pica work in pro­gress de Joyce gerava na inte­lec­tu­a­li­dade emer­gente e van­guar­dista. Avaliou-o assim: “Um enjo­ado sem licen­ci­a­tura a coçar furi­o­sa­mente as borbulhas juvenis.”

Por vezes, o génio abate-se sobre o talento sofrí­vel como uma bala de canhão sobre um mos­quito. George Moore quis ser pin­tor e che­gou a estu­dar com Manet, mas aca­bou poeta e roman­cista. Podem os aca­dé­mi­cos dizer que Joyce bebeu nele alguma ins­pi­ra­ção. A inques­ti­o­ná­vel imper­ti­nên­cia de Oscar Wilde resol­veu o pro­blema de forma assas­sina: “George Moore escre­veu exce­lente poe­sia até que des­co­briu a gramática.”

Mesmo o con­ser­va­dor T.S. Eliot, entre os moder­nis­tas o que mais rapi­da­mente per­ce­beu que a tra­di­ção não se deita fora com a água do banho, viu capim, pura terra devas­tada, numa obra e num roman­cista maior inglês, como ele nas­cido ame­ri­cano. “Henry James tinha uma sen­si­bi­li­dade tão fina que nem a mínima ideia pode­ria jamais penetrá-la.”

Mary McCarthy e Lil­lian Hell­man não são, pro­va­vel­mente, escri­to­ras que resis­tam aos pró­ximo meio-século. Têm isso em comum e o terem sido acti­vis­tas polí­ti­cas e com­pa­nhei­ras de estrada do comu­nismo ame­ri­cano.  Ms. Hel­mann terá sedu­zido e, quem sabe, dor­mido com um então amante de Ms. McCarthy. Por causa dessa con­cor­rên­cia amo­rosa des­leal, Ms. McCarthy disse um dia na tele­vi­são pública ame­ri­cana: “Toda e qual­quer pala­vra que Lil­lian Hell­man tenha escrito é men­tira – e isto inclui as pala­vras ‘e’ e ‘o.’”

Fecho com Karl Kraus, para fechar em beleza. Lem­bro só um comen­tá­rio dele, de requin­tado mérito lite­rá­rio, sobre o “último dos român­ti­cos”: “Hein­rich Heine sol­tou de tal maneira os col­che­tes da lín­gua alemã que hoje qual­quer caixeiro-viajante lhe pode apal­par as mamas.”

p.s. — E lembrei-me do que essa flor ino­cente chamada Tru­man Capote disse quando leu o “On the Road” do Jack Kerouac: “Isto não é escre­ver, isto é dactilografar.”

Prova Oral, pois claro

alvim

Já tinha feito alguns exuberantes programas com o Fernando Alvim. Dois lançamentos de livros meus foram objecto de emissões em directo da Prova Oral e tenho deles muito boa memória. Mas nunca tinha ido ao local do crime. Desta vez, para falarmos do Pequeno Livro dos Grandes Insultos, visitei a Caverna de Ali Babá do Alvim (acompanhado pela Catarina Mourão), e o resultado foi o que podem ver e ouvir aqui. Ou, se não quiserem ver, e só usar como música de fundo, também está aqui, no podcast da Antena 3.

Não se aconselha almas mais sensíveis.

 

Os grandes insultos

Insultos

Há uma coisa que me tem aquecido o coração, porque é, acreditem ou não, a chave da minha vida: quem comprou este livro, o leu e decidiu dizer-me o que pensa, tem tocado numa ferida boa: é que a leitura os faz rir à gargalhada. Mas que grande alegria que isso me dá.

Para quem só agora chegou a esta negríssima página, um aviso à navegação. Este pequenino volume chama-se O Pequeno Livro dos Grandes Insultos. Contém os mais desabridos e genuínos palavrões e insultos que a nossa língua acolhe – caralho e filho da puta, pois claro – mas o que me moveu foi fazer um livro suave, amável, risonho que, da etimologia à sinonímia, fosse capaz de nos fazer rir e conviver.

Vão a uma livraria. Abram o livro e leiam uma página. Se não vos fizer rir, não comprem.

Natalie, vens à Fnac?

O meu amigo Emílio Guilherme, que para mim será sempre Emílio Cosme, seu nome de pena nos programas Equipa, na Emissora Católica de Luanda, chamou-me a atenção para esta catolicíssima imagem de Natalie Wood. Catolicíssima de tão universal e bela, está claro. (Que calcanhar tão bonito, Natalie!)

Natalie

Quem me dera que Natalie Wood pudesse vir assistir amanhã, 2ª feira, às 18:30, na Fnac Chiado, em Lisboa, à conversa sobre um livro de insultos. A conversa vai ser brejeira, cheia de palavrões torpes de tasca, mas vai, tenho a certeza, estar cheia de alegria, de surpresas, de jogos de palavras, trocadilhos e de lengalengas como o célebre “O amor é uma cobiça, que entra pelos olhos e sai pela piça”.

Dois professores que dominam tudo da língua portuguesa, um poeta de raiz angolana, e um jornalista e autor – aliás, autores são todos – vão oferecer-nos a mais libérrima sessão de apresentação que um livro pode desejar. A língua portuguesa vai andar ali, de boca em boca, num desvario sem tabus. Venham. Convidam-se os participantes a insultar o editor, o autor e mesmo os apresentadores. Vens, Natalie?

convite

 

Ah, mas lá que se vão rir, isso vão

O editor da Guerra e Paz editores, com quem mantenho relação de grande promiscuidade e gosto duvidoso – sobre a qual se pode dizer, de forma indesmentível, que somos unha com carne – pediu-me que escrevesse algumas palavras sobre um livro que vai chegar às livrarias a 16 de Outubro, mas que ele, com aquela ganância típica de empresário, quer já pôr a render. Enfim, sou contra, disse-lhe dois ou três palavrões, mas acabei a render-me também eu à marcha inexorável do capitalismo 

3D Book Insultos

 

Pede-me o editor da Guerra e Paz que, na minha qualidade de autor, vos fale deste O Pequeno Livro dos Grandes Insultos.

Escolho pensar no que gostava que acontecesse quando tivessem este livro na mão. A primeira coisa que espero é que se riam. E que se riam muito. O livro reúne os piores insultos, os piores palavrões da língua portuguesa, como nunca foram postos num livro. E a minha primeira preocupação foi que este livro nada tivesse de ofensivo. Ora, como sabemos, mais do que nada, mais do que tudo, o que nos salva é o humor. Este é um livro para nos rirmos com o que, se fosse no trânsito ou se fosse o mono do vizinho de cima a dizer-nos, nós iríamos logo para a guerra. Portanto, primeira promessa, este livro vai fazer-vos rir.

A minha segunda preocupação foi ser útil e procurar fazer um trabalho de recolha cuidado, enquadrado com fundamento e de forma despretensiosa. Não posso ser juiz em causa própria, mas procurei avaliações de especialistas da língua e o exame correu bem, quero agora a vossa opinião sobre um livro que reúne pela primeira vez os insultos e palavrões da língua portuguesa em situação. Portanto, segunda promessa, este livro vai ser-vos útil.

A minha terceira preocupação foi fazer um livro que o leitor não tivesse de ler em segredo e em zonas reservadas. Este é um livro que o leitor pode mostrar e vai querer partilhar com os seus amigos. É um livro para homens e mulheres. Tem palavrões – os piores – mas foi pensado para ser elegante, tanto no seu aspecto exterior, como no interior. Quer no texto, quer na mancha gráfica. Nesse sentido é um livro meu, mas é também um livro do Ilídio Vasco, o designer gráfico que comigo trabalha vai para 12 anos. Portanto, terceira promessa, este livro é bonito.

Com este livro vai saber porque insulta, quem insulta, como insulta e donde vem o insulto que larga quando larga um rutilante palavrão. Escuso de dizer que o livro lhe oferece algumas centenas de sinónimos para poder variar a sua «gama de produtos» disponíveis. Vai descobrir que «Dalila do meu Sansão» ou «alavanca de Arquimedes» têm sentidos inesperados e bem sugestivos. Portanto, quarta promessa, este livro vai mesmo alargar o seu horizonte vernacular.

Deixem-me dizer o que vão encontrar. Num primeiro capítulo, organizados por certas áreas do corpo humano que são as mais procuradas para insultar alguém, estão os maiores insultos que todos nós já usámos naquele momento de som e fúria em que vemos tudo em sangue. Num segundo capítulo, estão as expressões com palavrões que já entraram na língua e são hoje expressões idiomáticas, como por exemplo a expressão “bom, isso é em casa do c… mais velho”. Num terceiro capítulo estão lengalengas, cantilenas e outras amenidades populares, como a que esperamos ouvir quando alguém grita «Ó Abreu, abre o…» ou que, começando por «bonito, bonito, é …» não me atrevo a terminar aqui. Num quarto capítulo, reúnem-se as expressões eufemísticas, aquelas em que dizemos aquilo sem dizer aquilo, forma hábil de contornar o palavrão, como quando dizemos que o que era mesmo bom era agora «molhar o biscoito» ou «passar a linguiça na farinheira». Por fim, no último capítulo, descobrimos, através de expressões ultrajantes, que o palavrão é eterno e é de todos os lugares. Vai ver como foi e é usado, dos poetas romanos à China ou Finlândia dos nossos dias.

O livro chega às livrarias no dia 16 de Outubro, mas nesta pré-venda, juram-me o editor e o Américo Araújo, director comercial, que há condições únicas: com os Insultos a ediotra oferece um livro maravilhoso, O Bordel das Musas, com os poemas eróticos de Claude Le Petit, que os franceses queimaram na fogueira, e com ilustrações muito bonitas de João Cutileiro: o pior é que também levam com um autógrafo deste autor de tão má caligrafia. Não percam.