Sirvo-vos, com todo o gosto, um requintado prato de maldade e má língua.
A maldade humana, a intriga maldizente, tem a irresistível atracção de um prato de tremoços em esplanada de Verão. A maldade, já se sabe, não tem reserva de admissão. Nem lhe escapam os mais elevados espíritos – artistas, filósofos, escritores. É porventura entre eles que os ódios atingem mesmo os níveis mais abrasivos, roçando a vontade de aniquilar.
O odium plumitivum (permita-se a liberdade) pode ser, quando a coisa esquenta, um espectáculo de requintada maldade. T.B. Macaulay, o 1º Barão de Macaulay, foi sobretudo historiador e insosso, mas também poeta de antiguidades romanas. A sua obra não resistiu ao tempo, mas a irritação que Sócrates (sim, o grego) lhe provocava, afiou-lhe o talento e garantiu-lhe a posteridade: “Quanto mais o leio, menos me admiro que o tenham envenenado.”
Macaulay era político e secretário da guerra. Dir-se-á que a sua natural mediocridade o perfilava contra a filosofia. Mas entre o russo Nabokov e o polaco Conrad, dois re-inventores da língua inglesa, só mesmo o photofinish conseguirá estabelecer uma hierarquia de genialidade. Irmãos no génio, nenhuma afinidade electiva. O posterior Nabokov leu Conrad. O meu tão amado “Lord Jim”, um dos romances de todos os séculos, deu-lhe a volta ao estômago: “Não lhe aturo o estilo de loja de souvenires, os barquinhos prontos a engarrafar e os colares de conchas de clichés românticos.”
Virginia Woolf nasceu no ano em que nasceu também James Joyce. Por ironia do destino, acabariam por partilhar igualmente o ano da morte. Em vida, Woolf foi uma polifónica rival do irlandês, não se deixando submergir e ainda menos comover pela unanimidade que a caleidoscópica work in progress de Joyce gerava na intelectualidade emergente e vanguardista. Avaliou-o assim: “Um enjoado sem licenciatura a coçar furiosamente as borbulhas juvenis.”
Por vezes, o génio abate-se sobre o talento sofrível como uma bala de canhão sobre um mosquito. George Moore quis ser pintor e chegou a estudar com Manet, mas acabou poeta e romancista. Podem os académicos dizer que Joyce bebeu nele alguma inspiração. A inquestionável impertinência de Oscar Wilde resolveu o problema de forma assassina: “George Moore escreveu excelente poesia até que descobriu a gramática.”
Mesmo o conservador T.S. Eliot, entre os modernistas o que mais rapidamente percebeu que a tradição não se deita fora com a água do banho, viu capim, pura terra devastada, numa obra e num romancista maior inglês, como ele nascido americano. “Henry James tinha uma sensibilidade tão fina que nem a mínima ideia poderia jamais penetrá-la.”
Mary McCarthy e Lillian Hellman não são, provavelmente, escritoras que resistam aos próximo meio-século. Têm isso em comum e o terem sido activistas políticas e companheiras de estrada do comunismo americano. Ms. Helmann terá seduzido e, quem sabe, dormido com um então amante de Ms. McCarthy. Por causa dessa concorrência amorosa desleal, Ms. McCarthy disse um dia na televisão pública americana: “Toda e qualquer palavra que Lillian Hellman tenha escrito é mentira – e isto inclui as palavras ‘e’ e ‘o.’”
Fecho com Karl Kraus, para fechar em beleza. Lembro só um comentário dele, de requintado mérito literário, sobre o “último dos românticos”: “Heinrich Heine soltou de tal maneira os colchetes da língua alemã que hoje qualquer caixeiro-viajante lhe pode apalpar as mamas.”
p.s. — E lembrei-me do que essa flor inocente chamada Truman Capote disse quando leu o “On the Road” do Jack Kerouac: “Isto não é escrever, isto é dactilografar.”