Anna Karina

Não houve ninguém na minha geração que não tivesse amado Anna Karina. Cresci com essa ideia de mulher, uns olhos carregados de beleza, sonho e insatisfação. Um desafio ao melhor que um homem pode dar, surpresa, uma dolorosa alegria, aventura, um livro e um cigarro, um carro a entrar pelo mar dentro. Relembro-a, no dia da sua morte. Lembrança em três breves actos.  

Karina

De vez em quando uma mulher é uma bandeira. Ou, mesmo sem o saber, é um quadro de Renoir. Ou é mais bela do que um verso de Ronsard.

Anna Karina, que agora morreu, foi filmada contra brancos saturados, contra paredes rugosas, no contra-luz de uma janela. De Petit Soldat a Made in USA,  em Une Femme Est Une Femme, em Pierrot le Fou. Nesses filmes, a preto e branco, em technicolor, foi a forma, rosto e corpo da nouvelle vague. Posou. Parece que se submete ao enquadramento. O resultado é Mondrian inundado de emoção.

O beijo ou é descapotável ou não é beijo

K-beijo

Tinham ambos bons lábios, carnudos, ágeis, oferecidos. São os lábios de Anna Karina e de Jean-Paul Belmondo. Juntou-os Jean-Luc Godard que, na altura, já deixara de beijar os de Anna Karina.

Aproximemo-nos deste beijo. É um beijo dos primeiros anos 60, de 65, julgo eu. Nada é deixado ao acaso. É um beijo de descapotável para descapotável. E é um beijo tricolor, patriótico e identitário, azul, branco e vermelho como a agitada bandeira gaulesa, o que discretamente a camisa vermelha de Belmondo confirma, se por acaso os nosso olhos não divagarem pela profusão geográfica da branca t-shirt de Anna Karina.

Os teus olhos

K_olhos

Pus-me a contar as estrelas
Contei duzentas e doze
Com as duas dos teus olhos
São duzentas e catorze.

Está escrito. Pela mão do povo. O povo é português e escreve assim no amplo livro da memória. Com mais ritmo do que rima, que o povo não é estrito. Mas sabe, note-se, contar. Conta até mil e sabe adicionar.

As estrelas dos teus olhos não as escreveu só o povo. Filmou-as também Jean-Luc Godard, com esse líquido e galáctico brilho que foi roubar aos olhos de Anna Karina.

As saudades que já tenho de te ver chorar.

Karina

 

Karina De vez em quando uma mulher é uma bandeira. Ou, mesmo sem o saber, é um quadro de Renoir. Ou é mais bela do que um verso de Ronsard.

Anna Karina, que nasceu fez há dias 79 anos (79, meu Deus), foi filmada contra brancos saturados, contra paredes rugosas, no contra-luz de uma janela. De Petit Soldat a Made in USA,  em Une Femme Est Une Femme, em Pierrot le Fou. Nesses filmes, a preto e branco, em technicolor, foi a forma da nouvelle vague. Posou. Parece que se submete ao enquadramento. O resultado é Mondrian inundado de emoção.

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também se amaram

As pestanas de Anna

É tão, tão bonita a Anna Karina. E as pestanas? Bem sei, a canção de Aznavour, esse hino à flacidez e desencanto, também ajuda. Muito. Ah, que bom é estufar o amor a beleza e depressão.

O filme, do maravilhoso Godard dos anos 60, chama-se Une Femme Est Une Femme. Ao lado de Anna senta-se Jean-Paul Belmondo, o tipo das moedas para juke-box.