Bica Curta servida no CM, 5.ª feira, dia 14 de Novembro
Gosto da bica sem açúcar. Se por um velho automatismo deito açúcar na chávena, o café passa a mistela e é intragável. É ao que me sabe, quando nela tropeço, a paternal condescendência. Tenho ouvido homens a tecer públicos louvores açucarados à “mulher”. A “mulher” é, dizem, muito mais inteligente e verdadeira do que o homem e de uma sensibilidade, ui, meu Deus!
E há mulheres que aplaudem a demagogia. Não deviam: nenhum dos sexos é melhor do que o outro. Foi o que jurou a escritora Margaret Atwood: “As mulheres não são anjos sem defeitos, nem dizem sempre a verdade.” Falando do #MeToo, disse Atwood: “Surpresa, às vezes mentem.”
Dizem todos que é boa escritora e pela foto parece pessoa divertida. Pois é, somos todos do mesmo barro, mas o barro das mulheres, acho eu, foi mais maltratado durante séculos que foi sempre. E continua a ser. E quem disser o contrário, mente.
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Bea, a história desta humanidade que somos está cheia de alegrias e de tristezas, de glórias e de misérias, de felicidade e sofrimento. Há, depois, interpretações da História que usam uma fácil dicotomia. Diz-se e eu não estou de acordo: “Eles”, sejam lá quem forem “eles”, provocam o sofrimento, premeditado, abusivo, de “nós”. Já assisti ao uso deste paradigma em versão fascista, comunista, feminista e ecológica. Depois, quando passam umas décadas, verifica-se sempre que a dicotomia da moda é – haja Deus – insuficiente para explicar a humanidade. A minha visão, errada ou certa, é diferente: a humanidade faz o caminho possível em função do desenvolvimento que consegue atingir – o que nos provoca sofrimento é a falta de desenvolvimento, o que nos liberta e traz felicidade é o aumento do desenvolvimento. Por desenvolvimento entendo, se me dá licença, uma cebola: são várias camadas que englobam a ciência e a tecnologia, a espiritualidade, as artes, a filosofia, o direito, a economia. Essas camadas estão todas interligadas. Por exemplo, sem um certo nível científico e tecnológico, por exemplo, não é possível ter um pensamento liberal . Falando concretamente: Marx, no Manifesto do Partido Comunista, praticamente agradece ao capitalismo ter criado a condições para que ele consiga pensar a utopia comunista. Ou seja, a humanidade cria condições materiais e espirituais, num esforço conjunto. A cada salto evolutivo é um erro projectar-se retrospectivamente o estádio em que estamos para, com os nossos intrumentos éticos ou jurídicos, para julgar o passado. Big mistake; digo eu.
E agradeço-lhe muito o reparo que me fez pensar, mal ou bem, o que acabo de dizer.
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Manuel, admiro o seu texto, julgo mesmo que seja uma boa perspectiva da evolução da humanidade em geral e para a qual todos concorremos. E concordo, as dicotomias são perigosas, não há apenas o preto e o branco e nem nas cores tal se verifica. Permita-me dizer-lhe que a História, além de provar ou permitir a sua interpretação, também mostra a minha e cada um escolhe aquilo por que luta. Eu luto pelas mulheres, pelos desprotegidos da sorte, pelos explorados, por todas as imensas minorias (no caso feminino são maioria). Se isto for feminismo arreigado, sou feminista acérrima, do pior que há. Mas não contra os homens em geral, embora contra muitos em particular. Parece-me que eles, no tal geral, deviam entrar na mesma luta, perspectivar o mesmo ideal, mas isso já não está na minha mão escolher, acontece de acordo com a inteligência e as vivências de cada um.
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Não a vou contrariar, Bea 🙂
Mas na verdade não é a “lutar” que se muda. É a construir que se muda. As “lutas” são apenas um colateral da construção, uma forma, e digo-o sem ofensa, de parasitar a construção. E mais não digo.
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ah, ah, ah… tenho-o em boa conta e julgo-o mais inteligente que isso.
Não quero que me contrarie, a bem dizer não quero nada, excepto que compreenda o que digo. Todos temos as nossas lutas (mesmo o Manuel que é todo da construção), as minhas são princípios a que tento ser mais ou menos fiel. Não ergui arranha céus, mas cada um tem a alma que tem e não se muda de alma. A minha é barro e constrói com tijolo de burro.
Também vou ficar por aqui que estou enjoando a prosa..
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Tijolo de burro é, se bem sei, bem sólido. E necessário. E sim, julgo compreender ainda, sentimentalmente, o chamado discurso da vítima. Pratiquei-o, descobri que tirando um aparente enobrecimento que me conferia por ser eu a dizê-lo, não fazia nada pela causa que eu julgava defender. É a minha experiência. Só vale para mim e não vou impingir a minha experiência a ninguém.
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