Sobre ou por causa de René Char (1907-1988), poeta francês. De grande porte, um metro e noventa e dois, anti-nazi e membro da Resistência, jogador de rugby.
Andou de braço dado, e nem sei se isso é bom, com Breton e Eluard. Mas, se o imaginarmos a caminhar numa estrada, vemos bem que está sozinho. Se tem de se proteger é a uma sombra de Villon. Se tem um destino é em direcção àquele ponto em que Rimbaud dizia juntarem-se la mer e le soleil: a eternidade. Essa silhueta de furor e mistério que se recorta na bruma de um caminho tem um nome: René Char. Silhueta de solidão: “Les femmes sont amoureuses et les hommes sont solitaires. Ils se volent mutuellement la solitude et l’amour.” *
René Char talvez esteja para a poesia francesa do século XX como Herberto Helder para a portuguesa. Dos poemas mais longos e poemas em prosa a poemas que são quase aforismos, Char busca a palavra breve, essencial: “Souvent je ne parle que pour toi, afin que la terre m’oublie.” **
Herói da Resistência, aprendeu nesses combates durante a Ocupação alemã, diz ele, a amar ferozmente os meus semelhantes: “François exténué par cinq nuits d’alertes successives, me dit : «J’échangerais bien mon sabre contre un café !» François a vingt ans.” ***
Pode ler-se «Fureur et Mystère», poemas de 1938 a 44, « Les Matinaux », de 47 a 49, « La Parole en Archipel », de 52 a 60, ou « L’Éloge d’une soupçonnée», de 1973 a 87. Em todos eles, letra a letra, verso a verso, um pensamento cantado. Leia-se este, tirado de «La Fontaine Narrative», de 1947:
Allégeance
Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé. Il n’est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l’aima?
Il cherche son pareil dans le voeu des regards. L’espace qu’il parcourt est ma fidélité. Il dessine l’espoir et léger l’éconduit. Il est prépondérant sans qu’il y prenne part.
Je vis au fond de lui comme une épave heureuse. A son insu, ma solitude est son trésor. Dans le grand méridien où s’inscrit son essor, ma liberté le creuse.
Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé. Il n’est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l’aima et l’éclaire de loin pour qu’il ne tombe pas? ****
##
Traduzo à letra as várias citações acima:
* As mulheres são apaixonadas, os homens solitários. Roubam-se uns aos outros, mutuamente, a solidão e o amor.
** Muitas vezes não falo senão para ti, só para que a terra me esqueça.
*** François extenuado por cinco noites de alertas sucessivos, diz-me: ” Trocava bem o meu sabre por um café.
**** Consolação
Vai pelas ruas da cidade o meu amor. Pouco importa aonde vá nesse tempo dividido. Já não é o meu amor, qualquer um lhe pode falar. De certo já não se lembra: quem de verdade o amava?
Busca o que se lhe parece na promessa dos olhares. O espaço por onde caminha é a minha fidelidade. Desenha a esperança e recusa-a, displicente. É preponderante e em nada se compromete.
Habito no mais fundo dele como um destroço feliz. Ele não sabe: a minha solidão é o seu tesouro. No imenso meridiano em que se lança para o seu voo, a minha liberdade esvazia-o.
Vai pela ruas da cidade o meu amor. Pouco importa aonde vá no tempo dividido. Já não é o meu amor, qualquer um lhe pode falar. De certo já não se lembra: quem de facto o amava e de longe o ilumina para que não caia?
muito obrigada por este perfil tão bem desenhado.
LikeLike
É só um esboço. O Char mal cabe aqui…
LikeLike