Já está tudo explicado nas cenas anteriores. Foi na Gulbenkian e blá, blá, blá, escolhi as dez cenas mais marcantes de sempre na história do cinema. E o que seria o cinema e a sua História sem a dimensão erótica?
SEVEN YEAR ITCH (1956), de Billy Wilder (O Pecado Mora ao Lado)
cena do vestido de Marilyn a esvoçar na boca do Metro
No final dos anos 50, ou já em plenos anos 60 do século passado, um dos mais vibrantes, plenos e inteligentes amantes que o cinema teve, François Truffaut, definiu exemplarmente a sétima arte. Disse ele: “O cinema é fazer coisas belas a belas mulheres.”
Não sei se a definição resiste à milimétrica luta para que a política de género hoje nos empurra, mas um dos extraordinários milagres do cinema reside no amor à primeira vista que a câmara de filmar tem por um certo tipo de animais, mulheres ou homens. Queiram ou não os produtores ou os realizadores, no século e picos da sua existência, são tremendas e devastadoras as paixões que a câmara teve por sereias, unicórnios, centauros ou sílfides, como Greta Garbo, Gary Cooper, Louise Brooks, Marlene Dietrich, Gene Tierney, Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Ava Gardner, James Dean, Montgomery Clift ou Marlon Brando, Sophia Loren ou Claudia Cardinale, Alain Delon, Jean Seberg ou Anna Karina.
Mas há um desses animais, um animal camaleónico, para usar a expressão de Truman Capote, que trouxe um sopro venusiano à história do cinema. No filme dela que escolhi, tudo se passa em Nova Iorque, num tórrido Verão. Um homem não pôde (ou não quis) ir de férias com a mulher e o filho e descobre, com assombro, o assombrosamente bela, e deliciosamente ingénua, que é a esplêndida jovem vizinha do lado. Leva-a ao cinema e nós vamos agora vê-los já a voltar a casa, num passeio que o homem tenta tornar displicente, sem saber como mexer as pernas e os braços.
Quando a actriz que acabámos de ver, de saias esvoaçantes, Marilyn Monroe, filmou esta cena, havia 5 mil pessoas aos gritos no passeio em frente. Esse pasmoso e imparável grito erótico foi um dos mais fortes elementos constitutivos do cinema.
Billy Wilder é um admirável realizador, Seven Year Itch é uma bela comédia, mas esta cena só está aqui, colada às minhas dez melhores cenas de sempre, para que Marilyn aqui esteja. Há uma atracção, um desejo, um rumor vulcânico que Marilyn fez passar pela mente e pelo corpo de milhões de mulheres e homens. É um rumor inexplicável. Poderia vir aqui dizer que é uma conjugação de certas formas físicas e de carácter, uma certa angulação do rosto, uma soberba elevação do seio, a lábil circularidade da anca, a ingenuidade do olhar, uma inocente abertura dos lábios, um estremecido riso infantil, a cega volumetria das nádegas. O que não sabemos é como todo esse poderoso e incendiário magma se juntou no ser mitológico a que chamamos Marilyn Monroe.
Incompreendida, por vezes detestada pelos realizadores, tecnicamente tão incompetente que tinha, como teve, neste caso, de repetir dezenas de vezes as takes, Marilyn era mais forte do que tudo isso, mais forte do que os desastres da sua vida pessoal, mais forte do que alguns maus filmes que fez.
E para termos a certeza de que as coisas não são nunca o que parecem, deixem-me dizer uma coisa:
Para soprar o vestido, Wilder montou um gigantesco ventilador por baixo. Houve uma valente cena de sopapos entre o pessoal da produção para se decidir quem ia lá abaixo, às catacumbas do metro, ligar e desligar o ventilador, dedo no interruptor, olhos apontados ao paraíso.
As coisas nunca são o que parecem. Uma lufada de ar fresco pode muito bem incendiar o mundo. E, já agora, o vestido que Marilyn usava foi vendido, há 4 anos, por 4,6 milhões de dólares.
Eu não sabia das outras nove, mas esta cena tinha que chegar fosse qual fosse a sua vez, Marylin é sempre primeira.
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tem a razão todinha, ela foi o a cendrada luz que fez gemer o cinema
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