
Amor que acaba, nunca foi amor. Amor que é amor é eterno e não faz batota: amor que é amor nunca acaba.
Quem cantou a ideia de “amor único” foi Nelson Rodrigues, cronista brasileiro que, em “A Cabra Vadia” ou “O Óbvio Ululante”, escreveu com ortográfico desacordo um português querubínico. A Nelson sempre o atormentava a mesma nostalgia, a nostalgia do amor único e eterno. O amor do menino pela menina da porta ao lado, que começa aos 12 anos e dura a vida toda, o amor dos amantes que se matam, consolados pela vertigem duma paixão que os dispensa, sem cerimónias, de prestar contas ao mundo ou aos homens, a Deus ou ao Diabo, ao Céu ou ao Inferno.
Mas dito isto, pergunto: será que estamos preparados para os extremos inclementes de tanta paixão? Ou será que o amor eterno, o amor único, é apenas literatura?
E se a paixão for vil ou mentirosa, ou luminosa e efémera como um relâmpago, é menos paixão? Deixem-me dar exemplos. Literatura por literatura, basta-me como exemplo a volúpia dos encontros proibidos de alguns escritores. Anaïs Nin e Henry Miller tiveram o mais vicioso dos romances, ali mesmo, nas barbas do marido de Anaïs, sem que jamais ele suspeitasse. Era menos amor o amor deles por causa da mansa e traída fidelidade desse homem para cujos trémulos braços, no fim, a escritora voltou, acusando Miller de reduzir as mulheres à contingência biológica de “um buraco”?
Foi menos amor o desesperado e maldito “affair” em que F. Scott Fitzgerald, esquecendo a sua deprimida Zelda, se entregou a Dorothy Parker, ainda que, nessas brevíssimas e ternas noites, a Dorothy apenas a inspirasse uma profunda compaixão?
O amor que acaba não era amor, quis ensinar-nos Nelson Rodrigues. Mas também foi ele que disse “não se poder amar e ser feliz ao mesmo tempo”. Nelson, Nelson, com um veneno nos matas, com outro veneno nos curas.
O amor eterno, que é como quem diz, único neste mundo de efemérides, não é uma máxima. Mas pode ser e é o desejo de todos os amores que o são e a nossa humanidade quase sempre desbarata. E, no entanto, porém, pode acontecer a qualquer um que ele dure até ao fim sem precisar de desvario e abreviatura suicida:).
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Abreviatura suicida é uma bela imagem.
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Cada amor é único e a seu modo eterno, porque mesmo acabado há qualquer coisa dele que sempre permanece. Mas compreendo a nostalgia do Nelson, fiquei sempre com ela desde que li o “Amor em tempos de cólera”.
~CC~
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A nostalgia de NR é como um “amazing fog” que nos envolve e leva para outro mundo.
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Nelson estava certo, como estava, também, Vinícius: “que seja infinito enquanto dure”. Depende, um bocado, da prateleira da estante da qual pescamos o livro do dia.
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Olá Luciana, e eu que vejo cada vez chegar mais um mundo que não vai nem ter estantes. Enquanto dure, tornemos infinitas as estantes com Nelson e Vinicius,
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