Nada é real. Um rapaz, túnica presa de um só ombro, tem uma tranquila espada na mão direita enquanto a esquerda segura pelos cabelos uma cabeça de homem, apenas uma surpreendida cabeça de homem, sem corpo. Poderia ser de uma violência inaudita – se fosse real. Mas nada é real.
As figuras saem do negro, um negro saturado. Não é um negro de noite, é um negro inventado por olhos iníquos, olhos de bas-fond. O negro donde emergem o rapaz e a cabeça do homem, digo, David e a cabeça de Golias – negro tão liso, tão cego – só pode ser um negro completamente pintado. Houve quem dissesse que pintar assim era destruir a pintura.
E, no entanto, David, a espada e a cabeça de Golias vêem-se tão bem, tão definitiva e vivamente recortados. E basta olharmos um segundo para sabermos que não há nenhuma forma física da luz os iluminar desta maneira. Nem é preciso. Esta é uma pintura anterior ao fiat lux do Génesis: a luz não vem, não tem de vir de lado nenhum: a luz é o que, por pura ilusão, pensamos ser os corpos. O braço, o torso, o linho branco da túnica de David, David ele mesmo, o fio da espada, são luz. Luz de dentro, não luz de fora. Teatro negro, teatro de luz. Sem uma única sombra.
Não admira que, corria o ano de 1609 e tendo Caravaggio 38 anos, tenha sido uma das suas obras finais.