Uma escrita miudinha

relatividade

Talvez ninguém queira entrar num quarto escuro se souber que está em Jerusalém. Mas é num quarto escuro que estão, e podem ser vistas publicamente, as 46 páginas manuscritas por Albert Einstein para expor a sua teoria da relatividade, que hoje é tão nossa por muito pouco que, diga-se a verdade, a compreendamos (falo por mim), e por outro tanto que, nos gestos quotidianos, sobranceiros a ignoremos. A menos que comecemos a beijar-nos e a fazer outras carinhosas coisas a uma velocidade superior à da luz e, nesse caso, comecem na nossa apaixonada mente, a surgir dúvidas quanto a, do ponto de vista da amada boca, estarmos em absoluto repouso ou em relativo movimento. (Isto está tudo errado, já sei, sem uma palavra que seja sobre a forma como os campos gravitacionais, e são tão fortes os de dois amantes, afectam o tempo e o espaço, mas é sabida, neste blog, a minha tendência para a leviandade e fraco humor).

Para que conste, e por causa de um paper intitulado “Sobre a Electrodinâmica dos Corpos em Movimento”, fez em Março 124 anos que aquela icónica e wharoliana cabeça com língua de Mick Jaeger publicou a sua “especial teoria da relatividade”.  O que me impressiona, nas fotos que vi, é a impecável e rigorosa organização da escrita de Einstein. Alinhadinha, miúda e segura (como a de Agustina Bessa-Luís), apoiada em esboços e desenhos a roçar o perfeccionismo, o que assegura aos manuscritos um valor estético de que Einstein era particularmente orgulhoso.

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Não gosto da ideia de tempo com que vivemos este tempo

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Temos presente a mais e o tempo, este tempo, é um cárcere. Sou inábil e inepto para o explicar, mas sei que a seta do tempo não existe. O passado está sempre a irromper no presente e o futuro já aconteceu. Acordam-nos pela manhã os nossos mortos e já dormimos há muito tempo com o amor que ainda nem conhecemos.

Não gosto deste tempo, da ideia de tempo com que vivemos o tempo, nestes 19 anos que dizemos serem do século XXI. É um tempo sem respeito pela língua que Einstein pôs cá fora a troçar da ideia de tempo absoluto. Olho para o planeta e só vejo um tempo, o mesmo tempo em todo o lado, presente, presentíssimo, único e newtoniano. É um tempo foguete, volátil, mas é um tempo de reaccionário sentido único. Pois claro é um foguete velocíssimo, dourado, tecnológico, mas tem as mesmas palas de um burro a uma nora: só vê em frente. O Einstein que habita em cada um de nós revolta-se. Precisamos, queremos, apelamos a tempos simultâneos. Não foi para isto, para que cerrassem o mundo num só tempo, que H. G. Wells inventou a estranha máquina de nele viajar, de viajar no tempo.

E que interessa H. G. Wells? O que interessa é o cinema. Qualquer um dos meus cinefilíssimos leitores sabe isso melhor do que eu, o cinema é a mais sofisticada máquina de viajar no tempo. E devia dizer, de voar o tempo. O tempo, no cinema, são farrapos de nuvens, sofrimentos antigos, alegrias futuras, luke skywalkers e princesas leias. Beija-se no escuro o fresco cadáver de Greta Garbo, foge-nos do braço a mão que corre a acariciar as pernas botticellianas da germânica Dietrich.

Há melhor. Coppola fez um filme que é uma loja de brinquedos por ser do fundo do coração que saem todos os tempos. Numa revolução einsteiniana, acabou com o conceito de “plano” tal como a clássica gramática do cinema o definia. Acções a acontecer no mesmo ou noutro tempo, no mesmo ou noutros espaços, cruzam-se, simultâneos, acendem-se e apagam-se na mesma imagem de One From the Heart.

Tenho, confesso-vos, a vida cheia de tempos. São tempos monozigóticos, meus gémeos. Como nuvens, passam-me pela janela do presente, aventuras, amigos, amores, lágrimas e risos do passado. Vejo o futuro e, sem exagerados anúncios, está lá o rumor de alguns jovens amigos que conversam no dia da minha morte. Que sabe do tempo quem não deixou entrar-lhe na vida o filme da sua própria morte?

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Deus vende

Bica Curta publicada no CM na 5ª feira, dia 7 de Março

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Deus vende

Einstein, o físico da teoria da relatividade, escreveu uma carta a um filósofo judeu, criticando um livro que lera. O livro, “Escolhe a Vida: O Apelo da Bíblia à Revolta”, propunha que o judaísmo fosse a base de uma nova moral altruísta.

Na carta, Einstein rejeita esse papel do judaísmo e das religiões, que considera superstições primitivas. Diz: “a palavra Deus é apenas a expressão e o produto da fraqueza humana”. A chamada “carta de Deus” foi vendida em leilão da Sotheby’s por três milhões de dólares. Afinal, Deus vende e a superstição vale o seu peso em ouro. Ah, a fortuna que eu ganhava se Deus tomasse comigo a bica curta.