Às 23:58 de hoje, quinta-feira, dia 8 de Agosto, na RTP 2, sou eu que dou o corpo às balas. No 6.º episódio do programa Mil Palavras Não Fazem uma Árvore, a Eugénia de Vasconcellos, autora e apresentadora do programa, entrevista-me. Dela todos esperamos o melhor. De mim, já se sabe que sou e farei fraca figura. Mas lá que gostei da conversa, isso juro-vos que gostei. Mérito de quem nos guia e põe à vontade.
Vem aí um programa de televisão que começa logo por nos sobressaltar com o título: Mil palavras não fazem uma árvore. Eu tenho, é claro, de fazer declaração de interesses: a autora do programa é minha autora na Guerra e Paz editores.
É já na próxima 5.ª feira, na RTP 2, à meia-noite em ponto. A Eugénia de Vasconcellos fará nesse dia a primeira de 13 entrevistas a personalidades ligadas à cultura portuguesa.
Falamos na 5.ª para combinarmos ver juntos.
Já me disseram que bem podemos meter o cânone de Harold Bloom no sítio que todos sabem. Virá uma tarde, àquela melancólica hora em que tomba lento no horizonte o crepúsculo dos deuses, e alguém me dirá que posso também meter no mesmo sítio os velhos filmes de Ford, a começar pelo “The Searchers”, os velhos Lubitsch, a acabar na “Ninotchka”, os velhos Hitchcock, começando e acabando no “North by Northwest”.
E Jesus me valha se eu em verdade, em verdade não vos disser, que anda alguma gentinha a confundir o cu com as calças. A confusão é velha, tem mudado muito de calças, mas pouco de cu. Os maiúsculos Grandes Livros e Grandes Filmes já não são a fonte de conhecimento necessária para este tempo, dizem. Quando eu, em Luanda, vinha a pé do Liceu Salvador Correia até casa, os quedes brancos enfiados em areais cor de acácias, já havia uns velhos corvos a crocitar a morte do saber burguês. Anunciavam o homem novo, com filosofia dicotómica e vermelha. Era uma filosofia sedutora, na sua simplicidade de bons e maus, mas mesmo quando andei de punhinho no ar e pequeno livro a substituir-me o bilhar de bolso, houve sempre um ponto inegociável: os velhos livros e filmes eram o panteão vivo a que sempre voltava.
A confusão crítica era e é a de reduzir esses grandes livros e filmes a repositórios ideológicos ou filosóficos. Ora, o cu marxizante, neo-realista, que assim os criticava, voltou agora na forma de cu ressentido, de género, etnicizante. Reduz tudo, cu e calças, a um saber ideológico, teórico-político. Escapa-lhe a humaníssima experiência estética: a ideologia nunca soube o que fazer com a ficção, com a indisciplina da emoção.
Os livros que Bloom elegeu, os filmes de Ford, Hawks, Renoir, Ozu, Dreyer, não são filosofia. São prodigiosos trabalhos de imaginação que geram emoções. Oferecem-nos acções e sentimentos que acordam em nós um músculo adormecido e rimam com as nossas vidas. Alguém nos terá amado da forma clandestina como a cunhada ama John Wayne, em “The Searchers”. Um dia partiremos, como Wayne, e enquanto desaparecemos no deserto que nos engole, uma porta há-de fechar-se, e nessa casa ficarão os que amámos e nos amaram, um velho casaco militar, a mesa a que não voltaremos. Não há cu ideológico que substitua tanta pena, saudade e dor.
Bica Curta servida no CM, 5.ª feira, dia 6 de Junho
A cultura. Já foi um termo deslumbrante, hoje é um termo conformista. Por exemplo, agora, na morte de Agustina, vemos a comunidade, um joelho no chão, prestar-lhe tributo. E isso é bom, como disse o velho Deus, bica curta na mão, olhos postos na sua Criação. Mas reduzir Agustina à cultura é expurgá-la da sua natureza, apagar o fogo, domar o bicho. O génio de Agustina está na cruel animalidade das mulheres e homens dos seus romances, na vitalidade das suas ambições e mesquinhez.
A cultura não pode ser uma reserva de índios enfatuados. Precisa de correr riscos, da luz da inocência ao breu da maldade, se quer voltar a ser vida.