Bamboleiem-se

Não acreditem em mim, mas afianço-vos que o email foi inventado em 1913. Tinha a forma de memorando interno e a Universal Pictures fazia com eles um verdadeiro fogo de barragem entre os escritórios de Nova Iorque e Los Angeles.

De L.A. chegou a NY um memo. Pedia para irem cheirar um espectáculo com um tal Charlie Caplin. Bem se esfalfaram, mas Caplin não havia nenhum. Será Chaplin, perguntaram dez dias depois, o tempo que demorava, então, um email. Mais sete dias e tinham um “Yes” de volta.

O olheiro, uma semana depois, disse: “Cómico excêntrico. Melhor nos sketches com diálogo do que nos gags visuais. Mas não vale o custo da viagem para ensaios em L.A.” Só que Laemmle, o patrão da Universal, andava de candeias às avessas com a sua vedeta, esse Jesus Cristo da comédia que dava pelo nome de Buster Keaton, que mesmo no Natal tinha um ar de Páscoa. Se contratassem o tal Chaplin, poderiam atestar o pontapé onde se sabe em Keaton? NY diz que não, que a pantomima de Chaplin é fracativa, o tipo só é bom a falar e ainda não se inventara o sonoro. Quinze dias e Laemmle, manda-os fazer um ensaio, “mas não gastem mais do que 300 dólares”.

O ensaio, reza o memo, nem foi mau, e o câmara, o montador e o projeccionista partiram a coco a rir. Chega o ensaio a L.A. e acham aquilo uma pessegada. Mesmo assim mandam vir Chaplin. Por um dinheirão: bilhete de comboio, 5 dólares por dia e um quartinho esconso para não ficar ao relento. Já os sábios tinham virado do avesso o ensaio de NY e proclamado a sua justiça. Era preciso que ele trocasse o chapéu de coco, talvez por um barrete escocês. Tinha de rapar o bigode e mudar de nome para não ser confundido com Charlie Chase. Aliás, Chaplin era um nome judeu e isso é que não. Devia ainda abandonar o andar bamboleante para não ofender coxos e cambaios. Já agora, evitar as caretas. Chaplin primeiro mandou-os… prontos, mandou-os! Depois fez o ensaio, aceitando todas as instruções. Resultado, chora o memo: “Estilo muito mole. Nenhuma personalidade.” Respondem de NY: “Bem vos disse que era fraco nos gags visuais e que não valia o dinheiro da viagem.”

Vida e cinema juntos fizeram de Chaplin, chapéu de coco, bigode, andar bamboleante, o génio que sabemos. Que a ousada sombra desse génio vos cubra nestes anos 20: não se resignem, bamboleiem-se.

2 thoughts on “Bamboleiem-se”

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.