Ando há seis décadas e um lustro a viver e ainda não tinha percebido. Só agora vi a autêntica religião que pode ser a solidão. Percebi isso hoje quando, da cansada vida e voz de Dolores Duran, se começou a derramar a biografia da solidão.
Ouçam. As vassourinhas varrem os pratos e tambores da bateria, mas não varrem as lágrimas e a retórica magnífica do sofrimento. Não acredito que nós, homens, cheguemos verdadeiramente a compreender o que Dolores canta. Nos nossos desmedidos devaneios épicos de homens, a forma como Dolores canta as palavras que ela mesma escreveu, é uma histeria irreal, um ensanguentado folhetim.
Contaram-me que é preciso que uma mulher cante e outra mulher ouça. Dolores Duran namorou os homens. Não dormiu com todos, mas dormiu com muitos. Dormiu até, porque amou, um garçon de cabaret. Mas quando queria que lhe ouvissem as novas canções, cantava-as às amigas. Foi ao telefone que cantou “ai a solidão vai acabar comigo” a outra cantora amiga, Maysa.
Maysa contou que ouviu, ao telefone, sublinho, e já não conseguiu voltar a falar. Chorou o dobro, o triplo do que os versos de Dolores pareciam pedir, sufocada, estranha, ciente da inferioridade e da superioridade de quem tem o segredo do romantismo.
Tom Jobim, Vinicius, homens e artistas, os que “sabem o que fazem e o que dizem” chegariam, muitas lágrimas depois, à carreira de mulher de Dolores. Que solidão! E talvez este ponto de exclamação seja só a minha forma masculina de estranhar e incompreender o que seja uma mulher ou quem foi Dolores.