
Acabara de me apaixonar por Natalie Wood. Vira-a, acolhedora, a deixar James Dean deitar-lhe a cabeça no colo, em “Rebel Without a Cause”. O que ela, adolescente, fazia no filme, um sorriso triste, beijos só de lábios a roçarem lábios, sonhava eu que era comigo. E o que fazia era um suave derrame sentimental, doce enjoo intransmissível a terceiros.
Nessas férias de 68, nas noites cacimbadas de Luanda, o cinema Império passava um festival de reposições. Jurara promessas à ternura de Natalie Wood, mas noite é noite, a natureza masculina, mesmo a adolescente, é instável e fui à descoberta.
Exibia-se “The Sandpiper”. O filme, embora assinado por Vincente Minnelli, não é extraordinário. Apenas veículo para a arrasadora paixão que Elizabeth Taylor e Richard Burton viviam.
Já a vira Cléopatra, mas não consegui ser romano suficiente para que me aquecesse mais do que arrefecesse. Agora, em “The Sandpiper”, numa praia californiana, Elizabeth era bastante menos do que a actriz de “Cléopatra”, era uma mulher.
Com a Natalie Wood de “Rebel”, que em Portugal se chamou “Fúria de Viver”, tive a ilusão de que uma namorada não poderia ter mais de 20 anos e era uma coisa de olhar nublado e sorriso melancólico que se instalava na nossa cabeça, mais precisamente no coração que temos na cabeça. Ao ver a Taylor de “The Sandpiper”, em português chamado “Adeus Ilusões”, vi a fúria de viver do corpo sexuado de Taylor e senti esse “ser mulher” a injectar-se-me nas veias e nesse vagabundo coração que não direi onde é que, no corpo de um homem, se pode encontrar.
Elizabeth já tinha 33 anos, o que, em meados dos anos 60, a fazia balzaquiana. A personagem dela era como ela, como o corpo dela, com redondas doçuras a testemunhar que aquela boca não se proibia nenhum prazer. Era, no filme, uma artista livre, a viver isolada na praia (uma casa assombrosa) e mãe solteira porque, como explicava: “Não fui abandonada pelo pai, foi o pai que foi abandonado por mim”.

Vestia-se a camisolas leves que o amoroso volume do peito erguia como estandartes, ou então uma camisa de homem a decotá-la com exuberância, as pernas nuas na areia da praia. E olhava. Do azul violeta do olhar de Elizabeth Taylor saíam descargas eléctricas. Não apenas o mistério que se evola dos olhos de uma gata abissínia. O olhar dela, no filme, ressuma sedução, uma humaníssima animalidade que lhe flui, pagã, dos ombros para as coxas morenas. Richard Burton, casado, pastor protestante, sucumbe. A mim, passou-me o etéreo enjoo com a adolescente Natalie.
Minha primeira lição antropológica: terá sido esta animalidade palpitante, mas gentil, quase doméstica, a fazer-nos trocar a selva, a caça, o raio do ar livre, pelo suado calor de uma cama.