Iam cinco e agora vão seis. Esta é, com a paquidérmica presença do senhor Hitchcock, a 6º cena que eu escolhi para O Gosto dos Outros na Gulbenkian
PSYCHO (1960), de Alfred Hitchcock
cena do duche
Se não se importam, vamos agora ao banho. O medo é uma das grandes paixões da humanidade. Sem lobos maus, sem bruxas feias, perversas e iníquas, as histórias que os pais nos leram na nossa infância e que também nós lemos aos nossos filhos, não valiam um caracol. O cinema apaixonou-se pelo medo desde o início. É verdade que o cinema também se apaixonou pelo amor, mas a paixão pelo medo provocou bem mais gemidos e gritos, bem mais sobressaltos do que o amor.
Foi com os requintes do medo que os grandes realizadores conseguiram verdadeiramente que o espectador tirasse ou pelo menos mexesse o rabo na cadeira, prova de que a expressão “quem tem cu, tem medo”, tem mesmo algum significado.
Nenhum realizador viveu de sofisticado beijo na boca com o medo como Alfred Hitchcock. Saíram da cabeça dele as melhores cenas de suspense e medo que os nossos olhos já comeram. Escolhi esta, em que, com uma faca e uma cortina de duche, Hitchcock redefiniu o terror.
Este filme baseia-se na história autêntica de um criminoso, que não matou nenhuma das vítimas no banho, limitando-se a cortar-lhes a cabeça. Tudo soluções que desagradavam a Hitchcock. Não gostava de muitas mortes nos filmes – “os cadáveres não sabem representar”, dizia ele, achando que era um desperdício e uma sangria desatada cortar-se simplesmente a cabeça à vítima.
O plácido cineasta inglês tinha inveja do que os realizadores do mudo tinham feito às suas actrizes e heroínas. Nessa altura, jurava ele, os realizadores sabiam torturar uma mulher e faziam aquilo bem feito. Inspirado nessa tradição, nasceu na cabeça de Hitchcock a bela e criminosa ideia de matar no banho a sua protagonista, Janet Leigh, aos 47 minutos de filme.
Três minutos de chuveiro e umas 50 facadas são a matéria prima desta cena sublime de Hitchcock. É um prodígio de montagem, uma combinação fabulosa de música, grandes planos, água, chuveiro, cortina de plástico e reacções humanas. Se virmos bem são ingredientes humildes, prosaicos, sem valor estético, mas a combinação é artisticamente sublime, num preto e branco que era, em 1960, já anacrónico e raro.
O pai de uma jovem espectadora escreveu a Hitchcock, acusando-o de que a filha, depois de ter visto o filme, se recusava há meses a entrar no duche. O velho e gordo cineasta respondeu-lhe, escrevendo: “Mande-a à limpeza a seco.”