Martin Sheen e a Madre Teresa

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Martin Sheen como a Madre Teresa nunca o viu

O actor Martin Sheen é um fervoroso católico: só lhe fica bem. Era um fervoroso anti-todos-os-Bush, mas agora, se calhar, e por causa de Trump, talvez ande a pensar duas vezes. Durante a primeira Guerra do Golfo, veio com a família e um amigo, a Roma, falar com a Madre Teresa, já falecida e agora sentada à direita de Deus, se alguém se senta à direita de Deus.

Sheen à esquerda, Teresa à direita, sentaram-se, fizeram vénias, beija-mão e os olhos do actor a chorar de realíssima admiração até ele lhe pedir para, SisterMother, convencer o Papa a levar o assunto – e o assunto era um, digamos, abaixo-assinado contra a guerra – a um tribunal internacional que ordenasse aos beligerantes a paragem do conflito. A irmãzinha perguntou-lhe com candura: “E eles obedecem?

Sheen, o quiet american, embatucou. Recebido e percebido o recado, ajoelhou-se e a pequenina Teresa abençoou-o e abençoou a mulher e os quatro filhos dos dois. Deu-lhes, também, medalhas de santos, escapulários. Martin Sheen lembrou-se então de que o seu velho amigo Marlon Brando vivia, na altura, um momento angustiante – ele andava como a kind of a damsel in distress, se de Brando assim se pudesse dizer.

Pediu, por isso, a Madre Teresa que lhe desse mais uma medalha para esse amigo que era, explicou-lhe, um actor famoso. “Quem é”, perguntou ela, curiosa. “Marlon Brando”, disse ele, sonoro. “Ah, nunca ouvi falar”, respondeu a madre com escrupulosa ignorância.

Sheen regressou à minha parvónia preferida, os lindos USA, e, quando deu a medalhinha a Brando, contou-lhe toda a história, sem omitir uma que seja das minhas vírgulas, e já viram que são muitas.

 “Confesso que Marlon ficou lavado em lágrimas. It meant so much to him”, contou com pontinha de orgulho Martin Sheen. E eu, que estive a chutar para canto para que não rolasse uma lágrima, reconheço que ainda gosto mais, agora e por culpa da Madre Teresa, de Sheen e Brando, meus heróis de “Apocalypse Now”, o único filme, que eu saiba, todo em forma de rio.

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Um filme em forma de rio

 

 

Madre Teresa e o “Apocalyse Now”

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O rio Tejo é um rio manso. Brando como se dizem ser os costumes portugueses. O maior mal que talvez o rio Tejo seja capaz de fazer é inundar, o que, diga-se, está na telúrica natureza de um rio.

Já estive horas de olhos postos no Tejo e não sou capaz de o antropomorfizar. Não lhe vejo a esplêndida e selvagem crueldade ou a ruidosa alegria inocente que se via nos olhos do Kwanza, poderoso rio que desagua a uns 70 quilómetros a sul de Luanda. O Kwanza tanto é um negro polifemo de grande olho na testa, como nele e dele podem imergir mil olhos maldosos como os olhos de jacarés. Ninguém em seu vigilante juízo consegue fechar os olhos a olhar para o Kwanza.

Mas estou a acobardar-me para não revelar a fraqueza que me consome: nunca estive no rio que mais amo, o rio que Martin Sheen sobe no “Apocalypse Now”. Nem sei se é um rio real ou dois ou três pelos quais a loucura de Francis Coppola tenha nomadizado as filmagens. Eu tenho raiva de Martin Sheen, dessa voz off com que ele nos fala, subindo o rio, com a mais odiosa das missões, matar o camarada, o herói, que é Marlon Brando. E aquele rio, todo vestido de selva, está, como ele, grávido de metafísica e maldade. Tenho uma pequenina inveja europeia desse rio exógeno e dessa guerra bárbara, ditada só pela alegria do sangue e pelo sopro vitalista do bicho inumano que também somos.

Estava eu neste transe espiritual schwarzenneggeriano, e logo descubro que a minha fraqueza é a mesma fraqueza de Sheen. Na primeira Guerra do Golfo, veio, católico fervoroso e anti-Bush, com a família e um amigo, a Roma, falar com a Madre Teresa. Pediu-lhe para convencer o Papa a constituir um tribunal internacional que ordenasse aos beligerantes o fim da guerra. A irmã perguntou-lhe com candura: “E eles obedecem?”

Recebido o recado, a pequenina Teresa abençou a mulher e os quatro filhos de Sheen e deu-lhes medalhas de santos. Martin Sheen lembrou-se então de que Marlon Brando vivia um momento angustiante. E pediu à Madre Teresa que lhe desse mais uma medalha para esse amigo que era um actor famoso. “Quem é”, perguntou ela, curiosa. “Marlon Brando”, disse ele. “Ah. Nunca ouvi falar.”

Sheen levou a medalhinha a Brando e contou-lhe a história. Diz Sheen: “Confesso que Marlon ficou lavado em lágrimas. Significou muito para ele.”

Brando

Publicado no Expresso