Um falso inédito de Faulkner

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A título de disclaimer e para que não tombem sobre mim acusações futuras, comunico que o post  Um inédito de William Faulkner, na linha de uma tradição de fantasia literária, é pura ficção. Ah, mas que bem que soube a deambulação “canular”, como diriam os franceses.

Jorge Luis Borges, no volume IV das suas Obras Completas, reunindo prefácios que escreveu para dezenas de obras maiores e de extraordinárias obras menores, sugeriu que se publicasse um livro inteiro de  prólogos de livros apócrifos ou inexistentes e que se carregassem com a verosimilhança de citações dos inexistentes autores e de saborosos pormenores externos. O desafio, irresponsável, cativou-me. Faulkner e o tão fragmentado romance que é “Go Down Moses” pareceram-me um bom alvo. Imaginei que Faulkner tivesse agarrado em duas personagens reais, a mãe Molly e o filho Henry, e os tivesse juntado, numa tentativa de síntese do mosaico de vida que ele criou e que não pode, justamente, ter síntese.
Ou seja, and just for the record:

  1. Faulkner nunca escreveu o conto “The Prodigal Son”.
  2. A revista “Story” nunca publicou o conto que Faulkner nunca escreveu, embora tenha publicado alguns dos que ele escreveu.
  3. Os arquivos da Princeton University, Box 36 e Folder 33, contêm de facto as histórias que Faulkner publicou na “Story”, mas nenhum inédito maldito.
  4. A revista Prism existe e, a seguir ao número do “Verão de 2005”, esteve mesmo fechada durante dois anos. Seria uma assustadora surpresa para mim, se agora se descobrisse ter publicado o conto “The Prodigal Son”, que Faulkner nunca escreveu.
  5. Peço ao meu heróico kamba, que invoquei em vão, as maiores e mais “falsas” desculpas, que hei-de conseguir inventar, por tê-lo associado a um processo de falsificação histórica, que inclui a tentativa de forjar documentos. Para a impoluta actividade que exerce é uma mancha irreparável que só a generosidade dele me perdoará.
  6. As citações que constam do texto do post são “fabricação” minha com algum recurso a frases de outras obras do escritor do Mississipi.
  7. Aos amigos que misericordiosamente me comentaram no blog e no facebook, o meu obrigado.

Para tudo isto, que é sobretudo diletante (e que outra coisa é a literatura, para já não dizer a própria vida), tenho uma excelente desculpa: deu-me uma trabalheira de prazer.
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Um inédito de William Faulkner

“The Prodigal Son” é um conto de William Faulkner. Misteriosamente banido da sua bibliografia, publicou-se em 1941, na revista Story, e continua inédito em livro. Quase nenhum comentador se lhe refere e só voltou a ser impresso, em 2005, numa revista universitária americana, a Prism, logo extinta. Salvo melhor informação, a “Página Negra” dá  a conhecer, pela primeira vez em Portugal, este quase inédito de Faulkner.

Faulkner

Sem a dissimulação de Ulisses, Henry, um negro do Mississipi, regressa a casa com o cansaço de quem viveu o que tinha a viver. Elegância discreta, o físico de um guerreiro, olhar em paz, o homem vem acertar o tempo físico com o tempo sentimental.

Mom”, Henry said, astonished to talk as sweet as he had ever heard his voice speak to a woman. The old woman’s face turned around, blank eyes looking for the human sound above the furious  storm standing outside her door.” *

Assim começa “The Prodigal Son”, “short story” quase inédita de William Faulkner.

Henry Worsham Beauchamp não é uma nova personagem de Faulkner. Está em duas outras “shorts”. Personagem abundante em “The Fire and the Hearth”, a sua clamorosa ausência é uma das chaves dramáticas de “Go Down Moses”. Estas “shorts” são duas das sete que constituem o livro a que a última, “Go Down Moses”, deu o título. Faulkner considerava-o um autêntico romance, semelhante, na estrutura a-cronológica e na narração disruptiva, a outras obras suas **.

Dos setes contos desse romance, Faulkner afirmou que “o tema genérico era a relação entre pessoas de raça branca e negra.” A figura seminal (entenda-se o termo à letra) é um patriarca, Lucius Quintus Carothers McCaslin Beauchamp, de quem, em linha legítima e ilegítima, descendem os proprietários brancos McCaslin e os escravos Beauchamp, depois libertos. São essas as duas famílias cujas exacerbadas peripécias o romance espelha e recria, do final da escravatura no século XIX até às dores da desagregação dos anos 40. Os McCaslin e os Beauchamp partilham um destino de decadência, a mesma plantação no mítico Yoknapatawpha, igual sentimento telúrico.

Sabe-se que Faulkner escreveu “The Prodigal Son” depois do conto “Go Down Moses” onde o nome de Henry nunca é pronunciado. Mas Henry é a personagem que falta nessa agónica pequena história de um herói, Samuel Worsham Beauchamp, que conhecemos nos dois primeiros parágrafos – “camisa e calças a condizer, da mesma flanela cor de gazela” – para nunca mais o voltarmos a ver, a não ser no final, fechado no caixão do seu enterro a que Molly Worsham Beauchamp, a avó, preside.

Samuel está condenado à morte por ter assassinado um polícia branco. “Pais?’” pergunta-lhe um jovem burocrata. “Claro. Dois. Mas não me lembro deles. Foi a minha avó que me criou.” Ouvimo-lo, e Samuel já não voltará a falar. É a voz de Molly, Antígona negra, que nos guia no resgate do seu cadáver ao Faraó *** e na dignidade ritual do funeral. Entre Samuel e Molly, o elo que falta, esse “não me lembro”, última palavra de um condenado, é Henry, o seu pai ****.

As razões da ausência escondem-se noutro conto, “The Fire and the Hearth”. Henry é o filho de Lucas e de Molly Beauchamp. Nasceu quando nasceu Roth, filho dos patrões brancos, a quem a mãe morre no parto. Molly amamenta Roth e Henry, que crescem juntos, fraternos. Aquecem-se ao mesmo fogo, à mesma lareira da casa negra, até Roth acarinhar nele o verme sulista da branca supremacia da pele. Recusa então partilhar com Henry o beliche, a refeição.

Mais tarde, arrepende-se de ter renegado a pele negra, a primeira que os seus olhos viram quando, sôfrego, bebia o que lhe era leite materno. Quer regressar ao mesmo fogo, à mesma lareira: “I’m going to eat supper with you all tonight”. “Course you is” responde a doce resignação de Molly. Mas nem Lucas, o marido de Molly, nem Henry, o irmão de leite, se sentam já à mesa com ele. “Are you ashamed to eat when I eat?” indigna-se Roth. Henry olha-o com uma serenidade destituída de amargura: “I aint shamed of nobody. Not even me.” Esse momento fratricida, a segurança dessa resposta, contêm já todo o conto que “The Prodigal Son” virá a ser.

A odisseia de Henry começou naquele confronto. Terminará em “The Prodigal Son”. Regressa numa noite de tormenta para encontrar a mãe cega. Traz na mão o mesmo torrão de açúcar que Roth, durante os anos da sua ausência, oferecia à velha Molly, nas visitas que nunca deixou de lhe fazer. “You ain’t got no teeth left but you can still gum it“, conforta-a Henry, repetindo o que já Lucas, o marido, lhe dissera.

Em quinze páginas, Henry e Molly preenchem as perplexidades que os sete contos de “Go Down Moses” possam admitir. Henry recorda a fuga após a morte da sua mulher no parto de Samuel, o filho, infausta rima com a morte da mãe no parto de Roth: I was sick in the mind then. Bad sick. I needs my wife. Dont even got up to go to church on Sunday. How to God could I raise my nigger hand against the Lord.

Henry preenche a ausência de 30 anos, contando a Molly como imitou Moisés ***** e conduziu o seu povo, que é só ele mesmo, através das maquinações e armadilhas dos sicários do Faraó. I am more than a man, Molly”. Then he told her he learned with his own eyes that they were no heroes. This people his father roared “I am a nigger, but I’m a man too” had no reason for pride in his forbears nor hope for it in his descendants.

Que razões levaram Faulkner a excluir “The Prodigal Son” do romance que são as setes histórias de “Go Down Moses”? Entre 1940 e 1941, os contos saíram nas revistas Atlantic Monthly, Harper’s e Story. Nesta última publicou “The Prodigal Son”. Consultando, na Princeton University Library, os arquivos da extinta Story, encontra-se o original na Box 36, Folder 33. Daí não voltou a sair a não ser quando a Prism, revista literária daquela universidade, o republicou no número “Summer 2005”, a que se seguiriam dois anos de fecho da revista, sinal de que alguma maldição persegue “The Prodigal Son”******.

Faulkner, sabemos, nunca escreveu os seus romances. Criou personagens e deixou que cada uma os escrevesse, caóticos e labirínticos, contando do seu ponto de vista a mesma história ou diferentes partes da história. “Go Down Moses” comprova a verdade desta tese. Porquê, então, roubar-lhe a coda que é “The Prodigal Son”, condenando esse conto sublime a ostracismo digno de uma história apócrifa?

“Go Down Moses” deveria ser um permanente diálogo entre vozes brancas e negras. Tem de dizer-se que “The Prodigal Son”, fechado sobre a lareira dos Beauchamp, exclui, a não ser por rememoração, a voz branca e, por isso, Faulkner o excluiu. Pode ser quanto baste para uma explicação académica. Não chega para edificar um mito.

A estatura humana de Molly faz dela, mãe negra, um lugar íntimo contraposto ao mundo masculino de raiva e ritos físicos brutais. Ela é a casa secreta para onde Roth, o branco, e Henry, o negro, se permitem fugas emocionais. A personagem de Molly será, especulo, um tributo a Maud, a mãe de Faulkner. A proximidade do autor com esta personagem impeliu-o a ser ele mesmo uma personagem dos seus romances. Henry Beauchamp, o negro que regressa, despido de azedume e ressentimento, é em “The Prodigal Son”, o próprio Faulkner. Neste improvável encontro de Antígona e Ulisses, Faulkner expõe carne, sangue e ossos e reivindica total projecção numa identidade racial que não é a sua. Do gesto, sobram hoje 15 páginas num arquivo universitário. Em 1941, no Mississipi, esse era um tabu trágico.

“The Prodigal Son” é a casa secreta de Faulkner, a ficção que prescinde do seu autor, o conto de piedade que um moderno Sófocles escreveria depois de ler “Go Down Moses”. Talvez, quem sabe, Faulkner não seja sequer o seu autor e talvez, por isso, o conto se tenha tresmalhado. Molly, no final de “The Prodigal Son”, um escasso fogo ainda na lareira, desiste de tanta identidade para encontrar a paz: All I got to give up is this blood that rightfully aint even mine.” Faulkner também fez o mesmo. Erradicou “The Prodigal Son” das suas veias.

Notas

*As citações de “The Prodigal Son” vão realçadas a negrito para facilitar rápida identificação e leitura.
** É o caso de “The Sound and The Fury”, “Absalom, Absalom” ou “Unvanquished” por exemplo.
***Molly compara o destino de Samuel ao de Benjamim, vendido ao faraó Roth, como Josué foi vendido pelos irmãos aos egipcíos. Ela atribui a Roth a culpa do desvio e perdição de Samuel.
****A genealogia dos McCaslin e dos Beauchamp é intrincada. Há comentadores que sustentam ser Samuel o descendente de uma pretensa filha mais velha de Lucas e Molly. Nesta genealogia, de autoridade indisputada, não há traços dessa filha e, pelo que sabemos da história de Nat, a filha mais nova, só Henry podia ser o pai de Samuel.
***** Em “The Prodigal Son”, Henry retoma as metáforas bíblicas de Molly no ponto onde ela as deixou em “Go Down Moses”.
****** Sou um felizardo. O ano passado, um meu kamba transumante, trouxe-me esse fatídico número da Prism. Lenda urbana ou não, diz-se em Princeton que uma parte dos exemplares desse número, por inexplicável erro de impressão, não incluíam o conto. Só por mera curiosidade, acrescente-se que as colaborações de Graham Green na Story estão guardadas na mesma Box de Faulkner, no Folder 42.

Pesca à linha

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Eis Hollywood à mesa no Musso & Franks Grill

Nesse tempo ainda se ia à pesca. Foi há menos de um século, começo dos anos 30, que o escritor William Faulkner e o realizador Howard Hawks foram à pesca. Leva­ram o actor Clark Gable. Gable não sabia que Faulkner era um escritor, mas cheirou-lhe a inte­lec­tual e perguntou quem eram os melho­res escri­to­res. “Hemingway, Willa Cather, Tho­mas Mann, John dos Pas­sos e eu” res­pon­deu Faulk­ner, incluindo-se, sem falsa modés­tia. Gable ficou de boca aberta: “Você escreve, Mr. Faulk­ner?” “Sim, Mr. Gable. E o senhor o que faz?”

Antes de conhe­cer Faulk­ner, Hawks lera um livro dele, “Soldier’s Pay”, e proclamou em Hollywood que des­co­brira o mais talen­toso escri­tor daquela geração. Quem conhe­cia a sua incli­na­ção para reconhecer talentos, levou-o a sério e cor­reu às livrarias. Já Faulkner publicara um novo romance, “O Som e a Fúria”, obra-prima que con­fir­mava tudo. O nome do escritor começou a encher mais bocas do que as braised short ribs of beef do velho Musso & Frank Grill, o Gambrinus da Hollywood da época. E logo essa insaciável Hollywood o convidou. Aceitou e as vestais da literatura hão de sempre chorar a vil traição e achar que foi um desper­dí­cio, uma imo­ra­li­dade.

Outro escritor, Raymond Chandler, a quem quase tudo correu mal em Hollywood, se calhar por ter investido mais nos dry-martinis do que nas short ribs of beef, parece confirmar o tremor e temor dos moralistas: “Se os meus livros tivessem sido só um bocadinho piores eu nunca teria sido convidado para Hollywood. Se tivessem sido só um bocadinho melhores não teria precisado mesmo de vir.”

Não peçam arrependimento e ranger de dentes a Faulkner. Com o diáfano sentido prático de quem monta uma geringonça, Faulkner garantiu que “escre­ver por dinheiro não é pro­pri­a­mente pros­ti­tuir o talento, mas apenas encur­tar as fra­ses.”

Voltemos à pesca. A ami­zade de Hawks e Faulk­ner foi mais longa e bela do que a de Bogart e Claude Rains, em “Casa­blanca”. Não obstante, a colabora­ção deles não escapa a alguma artística ambi­guidade. Faulk­ner queria escrever com a téc­nica do cinema europeu experimental e van­guar­dista dos anos 20. Muita montagem, flash-backs, jus­ta­po­si­ção de rea­li­dade e fanta­sia. Mas Hawks explicou-lhe que talvez não valesse a pena o esforço, tendo em conta a tortura que ia dar, como realizador, ao que Faulkner escrevesse: “Espremo-te a histó­ria que é a primeira coisa que quero. A seguir, que­ro per­so­na­gens. Depois passo por cima de tudo o que tu pen­sas que tem inte­resse.”

Faulk­ner foi o escri­tor que mais bem resis­tiu a Holly­wood. Em Feve­reiro de 1949, a MGM pagou-lhe o que era então a milionária fortuna de 50 mil dóla­res pelos direi­tos de “Intru­der in the Dust”. O livro só tinha saído há um mês. Faulkner desatou a correr pela Sunset Street: “Tenho direito a embebedar-me e a dan­çar descalço.”

E falta-me falar, nesta crónica de pesca à linha, de outro pescador, Hemingway. Era também amigo de Hawks. Hemingway riu-se quando Hawks lhe disse que faria um bom filme do pior li­vro dele. “Qual é o meu pior livro?”, per­gun­tou. E Hawks: “Aquele pedaço de lixo cha­mado ‘To Have and Have Not’.” Hemingway concordou e apostou: “Nin­guém con­se­gue tirar um filme daquilo”. “OK – disse Hawks – arranjo o Faulk­ner para o reescrever. Seja como for, ele escreve melhor do que tu.”

O que terá sen­tido Hemingway? Ciúme ou lisonja? Ele e Faulk­ner admira­vam-se e temiam-se. Aposta feita, nasceu o filme. “To Have and Have Not”, obra-prima, é o filme pedaço de céu em que nasceu, de um assobio, o amor de Lauren Bacall e Humprey Bogart.

Publicado na minha coluna “Vidas de Perigo, Vidas sem Castigo” no Jornal de Negócios

Faulkner, o elitismo, José Mourinho e uma coda neo-realista

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Faulkner depois do pedido de demissão

A história está muito bem contada aqui, num das mercearias literárias onde me vou regularmente abastecer em busca de fruta fresca e boa. Mas como não quero que falte nada aos frequentadores desta Página Negra, resumo, fazendo breve uma história longa.

Eu disse fruta fresca ali atrás, mas a verdade é que esta sumarenta peça foi colhida em 1921. William Faulkner, que era então um passarão de 24 anónimos e ignorados anos, abandonou a Universidade lá no Mississipi e foi à aventura trabalhar numa livraria, que não dava para os trocos. Mas o mentor dele conseguiu-lhe emprego como chefe de uma pequena estação de correios, na mesma universidade que Faulkner abandonara.

Não há memória na História dos Correios, em qualquer século ou lugar, do Paleolítico ao aquecimento por efeito dos gases de estufa, de um carteiro tão atrabiliário, incompetente e ressentido. Faulkner era o único funcionário e abandonava o balcão para ir escrever nas traseiras, armava jogos de cartas com os kambas lá da banda dele, abria e fechava a estação às horas que lhe dava na realíssima e faulkneriana gana.

Levantou-se contra ele uma surda onda de hostilidade, artigos nos jornais de estudantes, enfim, o tipo de protestos em que os cidadãos de Manchester se têm inspirado para azucrinar a cabeça de José Mourinho.

José Faulkner, perdão, William Faulkner não era do género de vergar a mola ao primeiro pé-de-vento. Não só continuou a infringir todas as regras, como se locupletou em transgressões que já implicam uma certa vizinhança babosa com a luxúria.

Vejamos e tomemos nota, que pode um dia fazer-nos falta nalgum emprego mais aziago: Faulkner abria e lia as revistas que vinham para ingentes remetentes; certo correio, que lhe parecia trivial ou espúrio, atirava-o para o lixo ou para as profundezas do inferno; endereçava pedidos de envio para moradas erradas.

Na América, nesse tempo, e basta lembrar que ainda faltavam 97 anos para Trump ser aquilo que ninguém acredita que ele seja hoje, havia inspectores. E veio um inspector inspeccionar. No relatório do inspector está tudo o que eu acabo de relatar, mas em linguagem de gente e por boa ordem. Faulkner foi acusado de negligência, de permitir a presença de pessoas não-autorizadas no escritório e de com elas jogar golfe lá dentro, não atendendo quem estava ao guichet a tentar comprar um proletário selo de dois cêntimos.

O inspector, naquela irrepreensível linha protestante de raiz weberiana, ou vice-versa, tanto faz, quis dar uma oportunidade penitente ao jovem carteiro. Ele podia escrever um relatório refutando todas as acusações ou, pelo menos, uma parte e isso talvez lhe permitisse conservar o lugar e o valente salário.

Faulkner agarrou a oportunidade com umas mãos que tomara o nosso Vlachodimos Odisseas. Leia-se: «Enquanto eu viver no seio do sistema capitalista, é minha expectativa que a minha vida seja influenciada pelas exigências das pessoas cheias de dinheiro. Mas raios me partam se eu me sujeitar sentado, calado e virado para a frente, a todo o canalha itinerante que tem dois cêntimos para investir no selo para uma carta.

Aqui tem, Sir, a minha demissão.»

E depois venham dizer que o modernismo literário não é de um insufragado elitismo capaz de, com razão, enxofrar a mona a qualquer coreáceo neo-realista.

Post office
Uma estação dos correios: estará Faulkner lá dentro?