Números ou poemas

leiotres

Bica Curta servida no CM, 4.ª feira, dia 21 de Agosto

Olho para o mundo com um optimismo que embaraça mesmo os meus melhores amigos. Às vezes, em vez da bica curta, já me atiram com um balde de água fria. Mas depois vem a UNESCO despejar-nos em cima estes números gloriosos: baixou para 14% a população mundial analfabeta. Há 30 anos havia 30% de analfabetos, há 70, 44%. Professores sejam louvados, 91% dos jovens de todo o mundo sabem hoje ler e escrever.

Eis o mundo melhor, eis o hoje que canta. Olhem para a satisfação pessoal desta gente! Nos países em que a alfabetização cresceu, cresce também o rendimento individual e o PIB põe-se aos saltos. São números e comovem: parecem poemas.

A bela pele negra

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Bica Curta servida no CM, na 4.ª feira, dia 10 de Julho

Dizem: os portugueses são racistas. Mas quais portugueses: os brancos ou os negros? Sabemos que a primeira reacção ao outro é hostil. Mas só a dos brancos ou a dos negros também? Medo e desdém são formas de nos vermos que separam e crispam. O combate ao racismo tem de ser holístico. Precisa de informação. Precisa da estatística do INE, à qual se furou um olho proibindo-se-lhe a recolha dos dados étnicos.

Certo umbiguismo das comunidades negras, a incomunicabilidade com a cultura portuguesa são tijolos que erguem outro muro de Berlim. Ou tomamos a bica juntos ou não beijaremos, os brancos a pele negra, os negros a pele branca.

A doença ou a cura ?

cirurgia

O que eu gosto de estatísticas! Devíamos tomar uma dose de estatística diária, como quem toma a bica logo pela manhã. Hoje, estava a olhar para o meu exausto corpo e a pensar que, com excepção da cirurgia ao apêndice, nem mais um corte. Ainda bem, pensei: não fomos feitos para ser retalhados.

Digo isto, depois de ver a abominável estatística. Quatro milhões e 200 mil seres humanos morrem, em todo o mundo, 30 dias após uma cirurgia. Muito mais do que os mortos de sida, tuberculose e paludismo juntos. Ironia do admirável mundo em que vivemos: não morremos da doença de que já sabemos tudo, o que nos mata é a cura que ainda não dominamos.

Bica Curta, publicada no CM