É uma das minhas bicas curtas, daquelas que escrevo no CM. Aqui fica, solitária, como o seu tema.

Em que prostrada solidão vivia o homem cujo cadáver foi encontrado agora, em County Cork, na Irlanda? A polícia encontrou um limpo esqueleto, e crê que o cadáver esteve 20 anos deitado naquela cama. Que soturna solidão era a dessa pessoa cuja falta nenhum ser humano sentiu? E que indiferença era a da gente do bairro, que não deu conta ou se importou com uma casa muda, cega e fechada? Nenhum vizinho, olhou, uma vez que fosse, olhos nos olhos, para o rosto deste homem, cujo grau de inexistência nos apavora. Era um recluso, disse alguém à polícia, esforçando-se. Ninguém se lembrou dele, ninguém bebeu com ele uma cerveja no pub, ao lado da casa assombrada. Nem um sinal da sua passagem, a não ser, no frigorífico, um frio bloco de manteiga. De toda uma vida, um gelado pacote de manteiga de 2001.
Parece-me a mais exacta solidão. A de quem passa por entre as gentes e não é visto.
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Sim, uma impressionante transparência.
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