Importas-te de levar Marilyn a casa?

Marilyn numa festa de aniversário de Elia Kazan

Na cama, Marilyn Monroe era violenta a fazer amor. Está escrito a meio das 800 páginas da autobiografia, “Uma Vida”, de Elia Kazan, realizador de “Um Eléctrico Chamado Desejo” e “A Leste do Paraíso”. É comovente e cândido o que Kazan escreve sobre essa Marilyn que amou, essa Marilyn que, com graciosidade e pureza, o trocaria por um amigo, o escritor Arthur Miller.

Mas antes de os vermos sentados, aos três, no sofá, nessa noite em que Marilyn não sabe o que escolher, lembro a tarde em que Kazan a conheceu. Marilyn chorava, há três semanas, a morte de Johnny Hyde, seu agente e seu amante. Hyde já tinha idade para ser pai dela, fosse quem fosse esse pai desconhecido.

Marilyn vinha de um casamento falhado. Aos 16 anos, para escapar a orfanatos e famílias de acolhimento, casara com um vizinho, Jim Dougherty, 21 anos, operário numa fábrica, logo a seguir marujo na Marinha Mercante. A Kazan, Marilyn confessou a árida desolação desse casamento: “E nada do que ele me fazia na cama me agradava, a não ser quando me beijava aqui”, disse Marilyn, apontando para onde já estávamos a olhar desde que começou esta crónica, para os seus seios.

O primeiro amante foi Fred Karger, músico, com boas relações nos estúdios. Ajudou-a a fazer um contrato, mas era um misógino feroz, que lhe criticava o peito desmesurado e o rabo do tamanho do de uma negra. Odiava e temia mulheres, mas era bom na cama, e é o que, deitada ao lado de Kazan, Marilyn lhe diz, “eu tinha três orgasmos de uma só vez”.

Ora, Marilyn não era movida a sexo, mas sim a um romantismo idealizado. Queria o que Fred não queria, casar. Deixou-o e ia voltar ao ponto zero, sem emprego, quando lhe apareceu a asa protectora de Johnny Hyde, agente, vice-presidente da William Morris Agency. Velho, gentil, capaz de a guiar na carreira de actriz e de estar sentado a ouvi-la. Ao fim de um ano de corte, a gentileza fez deles amantes. Hyde tinha, diz Marilyn a Kazan, “um corpo ainda jovem e um pénis pequenino”. Era um amante insistente, angustiado com a sua condição cardíaca. Foi o dinheiro dele que a atraiu, do que a família de Hyde a acusaria?

Vejam, quando Hyde morreu, a família proibiu-a de voltar à mansão em que viviam e, mesmo, de estar no velório. Marilyn esperou que todos saíssem e, com as chaves que conservara, entrou, noite alta, subindo ao quarto onde estava o cadáver de Hyde. Deitou-se com ele. Ficou, nessa assombrada solidão, até à primeira luz do dia, saindo antes que regressasse a família. Desse velho e carinhoso Hyde, Marilyn não retirou um cêntimo, recusando sempre o casamento que ele insistia propor-lhe.

Era Hyde que precisava de Marilyn e era Hyde que Marilyn chorava quando Kazan, no estúdio, se sentou ao lado dela. Ficou em silêncio – quem não ficaria? – a ouvi-la chorar. E foi esse silêncio que fez deles amantes, já Joe Schenck, patrão da Fox, a queria na sua cama. Schenck, de 71 anos, mostrou-lhe a mansão, os sumptuosos quartos, ofereceu casamento e promessa de herança. Marilyn disse-lhe que não. Permissão até para dormir com outros homens, desde que nunca duas vezes seguidas com o mesmo, e Marilyn, ferida no seu romantismo tardio, disse-lhe que não. Numa festa em que não podia ficar com ela, Kazan pediu a Arthur Miller que a acompanhasse. Voltou mais tarde e viu como os dois dançavam e ela olhava para o amigo. Sentaram-se os três num sofá, a festa a deslizar para o fim. Quase sozinhos, com denodo e decoro, Kazan levantou-se: “Estou tão cansado, acho que vou dormir. Art, importas-te de levar a Marilyn a casa?”   

Publicado no Jornal de Negócios, Weekend

2 thoughts on “Importas-te de levar Marilyn a casa?”

  1. Elia Kazan, uma delicadeza de pessoa no que toca a Marylin. Como realizador, no grupo dos melhores, dos tão bons que apetece perguntar, ainda se fazem realizadores desta qualidade?

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