Esta é a primeira de cinco das cenas que mais me tocaram no The Godfather, o primeiro Padrinho, que conferiu a Francis Ford Coppolas os galões de autor clássico.
Descrevi-as quando ainda não havia web, no tempo das VHS, para o “Semanário”. Animava-me um forte sentimento e sentido de família. A minha filha tinha nascido há 15 dias. Junho de 1989. Voltam 32 anos depois, e não juro que não tenha já acrescentado, entretanto, um ponto a cada um destes contos.

«I believe in America. America’s made my fortune». Pode a primeira cena ser a mais bela cena de um filme? Começa num negro absoluto, com uma voz-off tremente e suplicante na banda sonora. É do escuro que vem a cara do homem que fala. Depois, a câmara recua num travelling exasperante de tanta lentidão, fugindo do rosto do homem que suplica, para só se deter no rosto patriarcal de Marlon Brando. É tudo muito devagar, tão devagar, e as bocas dos actores pronunciam separadamente cada palavra do diálogo, cada sílaba. Soletram honra, respeito, lealdade, justiça. Dentro de uma luz rembrandtiana, tão doce como crepuscular, os dedos de uma mão invisível enlaçam cada um desses conceitos e logo vemos que esses dedos são os dedos da mão do crime. O crime tem, afinal, a mesma ética irrepreensível do bem. Uma ética que não mata por dinheiro e só reclama “be my friend“. Tudo se declina em seis minutos e vinte dois segundos, tendo por prefácio a música de Nino Rota.