Pode o amor pela língua, pela nossa, a língua portuguesa, ir a par com algum espírito de tolerância? Lembrei-me disso, há tempos, quando numa revista em que colaborava me pediram, com bons modos e um quilograma de cortesia, que não usasse as aspas inglesas (” “) por ser boa prática usar as aspas latinas («»). É, de resto, a prática seguida na Guerra e Paz editores pelos nossos ferozes revisores.
O meu convívio, que eu bem gostava de ver melhorado e acrescentado, com dois autores com competências linguísticas, o Marco Neves e, agora, o Fernando Venâncio, cuja magnanimidade me impressiona, incitou-me a publicar este breve manifesto, que só a mim me implica, não sendo aqueles meus autores responsáveis pelas minhas maluqueiras e, muito menos, pelas minhas graves asneiras.
Seja como for, todas as razões são boas para vos lembrar que, na 3.ª feira, às 18:30, na sala de Âmbito Cultural, no 6.º piso do El Corte Inglès, lançamos o belo Assim Nasceu uma Língua, com a presença do Fernando e do Marco.
E agora divirtam-se com este texto diletante
Abaixo a discriminação. Não sei o que deu aos grandes líderes e educadores das massas ortográficas, mas isto é inaceitável. Querem acabar com as aspas curvas. Discriminar desta forma as aspas inglesas, lá por estar em curso o Brexit (em regime de marcha lenta, note-se), fere os meus mais profundos sentimentos igualitários. O que têm afinal a mais as aspas latinas? Que poder autocrático lhes reconhece superioridade sobre a curvilínea elegância das outras? E onde é que, em nome de Deus, o angular é melhor do que o curvo?
O que farão a seguir os grandes líderes, na sua vertigem trumpo-norte-coreana? Acabar com o hífen? Não permitir que se chame cerquilha ao cardinal, negar três vezes o pé de mosca, a meia-risca, o ápice ou a chaveta? Ou obrigar-nos a todos a usar o ponto de interrogação invertido?
E se os sinais gráficos são agora sujeitos a este tratamento classista, praticamente czarista e pré-outubrista, o que acontecerá aos sinais diacríticos, ao mácron ( ¯ ) e à braquia ( ˘ ), ao gancho polaco ( ˛ ) e, sobretudo à paixão da minha vida, a querida e biunívoca diérese ( ¨ )?
É com um temor e tremor ortográfico que apelo aos nossos melhores espíritos para que, com um ponto de exclamação, contenham os seus Linguistas e Gramáticos Plenipotenciários, não digo com ponto final, mas aplicando-lhes um par de colchetes.
Abaixo a luta de classes no reino da Ortografia!
O conhecido amor do Manuel pela língua portuguesa não impediu este exercício de humor e subtil questionamento. Divertido e profundamente pedagógico!
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É lúdico, como se costuma dizer. Também precisamos, não é? 🙂
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Contem comigo. Lá estarei.
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Até amanhã, amigo Albertino. E venha falar-me 🙂
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