
Elva Zona nasceu no Greenbrier County, situado no meio das montanhas Allegheny, em West Viginia. Cara redonda, nariz fino e direitinho, maçãs do rosto bem definidas, boca carnuda e uma franja a cair-lhe sobre a testa, que ela compunha de risco ao meio, não admira que tenha tido um filho aos 22 anos, em 1895. Para desassossego materno e da comunidade, sem que ninguém soubesse quem era o pai.
Um anos depois, chegou ao County um jovem vindo de nenhures, à deriva e sem passado. Erasmus (ou Edward Shue) foi trabalhar com o ferreiro local. Fazendo curta uma história curta, em Outubro de 1896 conheceram-se, apaixonaram-se e logo casaram. Contra a vontade de Mary Jane Robinson Heaster, a mãe de Zona.
A 23 de Janeiro de 1897, Erasmus, ocupadíssimo na oficina situada no cruzamento de caminhos acidentados bons para o negócio, pediu a um miúdo, Andy Jones, que lhe levasse, “se não te importas de me fazer esse favor”, um recado à mulher. Com uma confiança de século XIX, Andy foi e ao abrir a porta da casa viu, ao fundo das escadas, o corpo inanimado de Elva, as pernas bem juntinhas, braço esquerdo sobre o ventre, o direito estendido ao lado da cobiçada anca. Os abertos olhos de lua cheia a contemplar a longínqua eternidade.
O miúdo correu e todo o vale soube da morte de Elva. Edward foi o primeiro a chegar. Sozinho levou o corpo para o quarto e sozinho fez todos os preparativos – lavar, escolher roupa e voltar a vestir – para que Elva pudesse ser dignamente enterrada. Quando o Dr. Knapp chegou para examinar o cadáver, Edward (já ninguém lhe chamava então Erasmus) manteve-se firme, choroso, apaixonado, ao lado da mulher. Contou o Dr. Knapp, não sei se numa das tabernas do County, que Edward gritou furiosamente quando ele tentou observar o pescoço da falecida. Mas a morte foi declarada natural, presumindo-se relação com alegada gravidez. A voz discordante da mãe voltou a fazer-se ouvir: “Foi o diabo que a matou.”
Durante a vigília, a devoção de Edward a todos espantou, vinte quatro horas ao lado do silêncio de Elva, a aconchegar-lhe a cabeça com mais almofadas, “era assim que ela gostava de dormir”. Até que, num caixão inacabado, providenciado pelo Handley Undertaking Establishment, o funeral se fez.
Funeral feito, dúvidas não desfeitas. Pelo menos para Mrs. Heaster, a mãe. Estranhou que Edward tivesse recusado o lençol da vigília e estranhou um cheiro peculiar. Lavou-o e do lençol branco correu para a água uma cor vermelha de sangue *. A seguir, o lençol branco ficou vermelho e a água outra vez limpa. A mãe viu no bizarro acontecimento o sinal que confirmava as suas amantíssimas suspeitas. Rezou, todas as noites rezou, para que o Senhor lhe desse um sinal. À quarta noite, Elva, irradiando luz e justiça, apareceu à mãe e revelou-lhe toda a verdade.
Armada deste novo poder, Mrs. Heaster moveu céus e terra o que incluiu, é claro, o procurador local. Ciente de provável negligência, o procurador determinou a exumação do cadáver e adequada autópsia. Edward opôs à determinação todo os seus músculos de ferreiro. Inútil. O exame fez-se e o que o luminoso fantasma de Elva tinha dito à mãe foi confirmado pelo corpo corrupto: “broken neck”, disseram os médicos, apontando para a cabeça que Edward amorosamente acomodara entre almofadas.
No julgamento, a acusação preparou a mãe para nunca falar do fantasma da filha. Mas a defesa julgou que seria boa estratégia invocar o assunto, descredibilizando assim a testemunha. Mrs. Heaster juntou argúcia à sua sinceridade de mãe e a defesa apercebeu-se da armadilha e recuou. Tarde demais, o fantasma de Elva já estava de pleno direito na sala e de nada valeram as recomendações do juiz para que os jurados não considerassem ter ouvido o que de facto tinham acabado de ouvir. Dez deles declararam Edward culpado e condenaram-no à forca, os restantes a prisão perpétua.
Se agora, passados 122 anos sobre a sua morte, alguém passar pelo County, perto do cemitério onde está sepultada Elva Zona Heaster, encontrará um marco alusivo com uma inscrição simples:
“Enterrada no cemitério ao lado está Zona Heaster Shue. A sua morte em 1897 foi considerada natural até o seu espírito aparecer à sua mãe descrevendo como tinha sido morta pelo marido, Edward. A autópsia ao corpo exumado confirmou o relato da aparição. Edward, considerado culpado de assassínio, foi condenado a prisão do estado. É o único caso em que o testemunho de um fantasma condenou um assassino.”
Moral da história: não há fuga, rejeição, elegante assassínio que liberte do amor. Amor que é amor nunca acaba. Nem com morte danada. Toda a mulher amada é um fantasma.
* O precipitado vermelho que Mrs. Heaster viu no lençol era o resultado da reacção dos ácidos de ferro (com que trabalhavam os ferreiros) com o hidróxido de sódio dos sabões com que se lavavam. O estranho odor tem que ver com o ácido muriático usado na formação dos ácidos de ferro. Estes dados foram decisivos para a acusação do procurador.