Chegou-me ontem esta foto. É a de um gabinete em mudanças. Foi o meu gabinete nos mais de quatro anos de director de programas da SIC, de 2001 a 2005. Teve outros inquilinos, alguns amigos meus. Mas fui eu que o concebi e mandei fazer o armário ao fundo e a estante que se adivinha à esquerda, ao fundo.
Morei aqui mais de quatro anos. Já morava, antes, nessa SIC de Carnaxide, Estrada da Outurela, há mais de nove anos: alguns meses a dirigir a programação estrangeira, convidado por Maria Elisa, logo a seguir, por proposta de Emídio Rangel, 9 anos como director-adjunto de programas. Ao todo, morei aqui 13 anos e meio, e se eu gosto do número 13.
Foi uma das boas e felizes experiências da minha vida. De nada me arrependo, algumas coisas, por certo, poderia ter feito melhor, de três ou quatro, orgulho-me. Agora, a SIC mudou-se para Paço de Arcos, para um edifício mais nobre do que esta singela construção que transformou um armazém de bananas no que foi a estação de televisão mais inovadora e criativa de Portugal (eis o que penso e já sorrio de assim pensar). Olho para estes despojos, para esta mesa e prosaicas cadeiras, que já não foram as minhas, para os imprestáveis papéis, caixotes, para as lâminas quebradas da persiana da direita, e adivinho a futura solidão, silêncio, ausência de tempo e vida.
Onde estará a mesa redonda, de madeira castanha, à volta da qual se sonhou e riu, ouvi protestos e ofereci o ombro a choros de baba e ranho? Onde andará, em que recanto cósmico, tanta ambição, tanta apreensão, tanta energia, tantas unhas roídas de expectativa por profissionais experientes, por jovens mais arrebatados do que o Gene Kelly do Singin’ n the Rain, por actrizes e apresentadoras que desembarcavam na Outurela com inocências de Shirley Temple? Onde andará a minha tão heterodoxa equipa da Direcção de Programas? Onde andarão a Carmo, a Ana, a Isabel e a Luísa, o meu quarteto quotidiano, tão protector e afectivo?
Olho para esta foto e sei que fica, agora, ali, a casa abandonada, a insonora porta fechada. Tão triste a casa que se deixa. E agora sei, por que traduzi, um dia, este poema que Philip Larkin:
Tão Triste a Casa
Tão triste a casa. Fica como a deixaram,
Moldada pelo conforto dos últimos a partir,
Como se quisesse convencê-los a voltar.
Na ausência de alguém para satisfazer, murcha,
Coração incapaz de esquecer o abandono
E voltar outra vez ao que era antes,
Há muito perdida a visão alegre do que as coisas
Deveriam ser. Ainda se pode ver como era:
Basta olhar os quadros e os talheres.
No banco do piano, as músicas. Aquele vaso.
Eh pá! É forte.
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Para mim, fortíssimo. Vita de la mia vita.
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