
Um dia, num blog que infelizmente já acabou, o Jorge Silva, que já foi da Guerra &Paz, convidou-me para eu escolher os filmes da minha vida e responder a um breve inquérito. Levei tudo muito a sério e, por ele me ter pedido uma curtíssima autobiografia, escrevi estas linhas:
Manuel S. Fonseca foi aprendiz e mau na oficina de João Bénard da Costa, na Cinemateca. Escreveu, como crítico, coisas imperdoáveis no “Expresso” durante alguns anos. Depois passou pela televisão, pela produção de telefilmes e de longas-metragens assumidamente comerciais e, sobretudo, viajou muito. Isso tudo já passou e hoje não faz mal a uma mosca. Tem uma coluna nostálgica no “Expresso” e escreve num blog lúdico e sumptuário chamado “Escrever é Triste”.
É bom de ver que ainda não nascera este lugar obscuro e cavernoso que é a Página Negra. Trago por isso, para aqui, para memória futura, as escolhas que fiz nesse ano de 2013, no 1º de Maio. Regressemos, então ao passado.
Os Filmes da Minha Vida
Os dez mais que, por esta desordem, agora me vêm à cabeça:
Broken Blossoms, D. W. Griffith
City Lights, Chaplin
Pierrot le fou, Jean-Luc Godard
The Searchers, John Ford
M, Fritz Lang
Playtime, Jacques Tati
Ordet, Carl Th. Dreyer
Rear Window, Alfred Hitchcock
Close Encounters, Steven Spielberg
The Godfather, Francis Coppola
Fiz esta lista e comentei, logo a seguir, jogando à defesa:
Os melhores filmes deviam ser como os menus dos restaurantes. Uns estariam sempre na carta e outros deviam mudar como os pratos do dia. Amanhã, por exemplo, já constaria o Singin’ n the Rain, o Der Blaue Engel e depois de amanhã o Some Like it Hot, o To Have and Have Not, o Citizen Kane, o A Matter of Life and Death, o Casque d’or, o Senso ou o The River do Renoir. E na montra do restaurante, em vez de “Hoje há passarinhos” apareceria escrito, a letras garrafais, “Hoje há Brigitte Bardot”.
E agora leia-se o cerrado interrogatório a que o meu amigo Jorge Silva me submeteu:
— O filme da sua vida…
Talvez seja o “How Green Was My Valley”, a mais perfeita cristalização de um mundo de harmonia que, por nunca ter existido, Deus se viu obrigado a criar através de John Ford, seu filho dilecto.
— Realizador favorito
John Ford, por ter ajudado Deus a corrigir algumas imperfeições da Criação. O mundo ficou melhor com a aldeia galesa de “How Green…” e ainda melhor com o povoado irlandês de “The Quiet Man”.
— Actor favorito
Richard Dreyfuss, pelo “American Graffiti”, pelo riso e pelas canções no bote de “Jaws”.
— Actriz favorita
Jean Seberg, pela nuca rapada de “Saint Joan”, pelos shorts de “Bonjour Tristesse” e por ser tão adoravelmente dégueulasse em “A Bout de Souffle”.
— Personagem que gostava de encarnar se fosse possível “entrar” no ecrã…
Pierrot, perdão, Ferdinand no “Pierrot le Fou”.
— Filme que mais o marcou no momento do seu visionamento…
Posso dizer dois? Primeiro, enternecido, quando vi a Natalie Wood a fazer beicinho para o James Dean no “Rebel Without a Cause”. Nesse mesmo Verão, duas ou três semanas depois, foi um incêndio, ao ver a Elizabeth Taylor a fazer, quais olhinhos, o corpo inteiro, ao Burton, no “The Sandpiper”.
— Obra-prima clássica (ou nem tanto) com que embirre particularmente…
Embirro razoavelmente com o William Wyler (Best Years of Our Lives e High Noon) e irrazoavelmente com o Eisenstein a quem prefiro a Sarita Montiel.
— O filme-choque da sua vida…
Sem ponta de ironia, um filme polaco belissimamente incompleto, “Pasazerka”, de Andrzej Munk
— Filme do qual possa dizer “a vida é muito parecida com isto”…
Um filme terno e cruel, simples, infantil e adulto, chamado “Stand by Me”, de Rob Reiner.

É sempre um alívio ver que não somos os únicos a embirrar com um grande realizador… Da minha parte, infelizmente, ainda não vi nada do Eisenstein, mas embirro particularmente com o Stanley Kubrick.
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Mal seria, Tomás, não termos direito a umas valentes embirrrações 🙂
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