De vez em quando, baptizados, casamentos e funerais, o passado vem ter connosco. “Então, há quanto tempo! Tens andado desaparecido!”, diz-nos alguém que “está na mesma”, que na mesma pensa “as mesmas coisas” que sempre pensou e evoca os mesmos sonhos que “juntos, lembras-te, partilhámos”.
Ou, como diria um empedernido psico-sociólogo, as rupturas que tecem as nossas existências reenviam-nos a uma ruptura essencial, constitutiva. O que, se mal percebo, quer dizer que a ruptura é que nos funda e que sem mudança estaríamos mortos.
Mas é do amigo que já mal nos lembrávamos e “ai, mas como é que este gajo se chama?” que estávamos a falar. Reencontro ou ruptura, a coisa abre-nos no peito, e isto sou eu a falar outra vez, uma bela ferida. Dói muito ver, de olhos nos olhos, o passado que outros nos trazem. Entendamo-nos (tento, pelo menos, eu entender-me comigo), não se trata de sobranceria, de olhar os outros como alguém que já não queremos ouvir ou que não queremos, por precaução, que nos ouçam. O drama é que vemos nos outros, indesmentível, a preto e branco, um retrato nosso, implacável, que não podemos desmentir e não queremos reconhecer. O problema não “são eles”: o que é insuportável é o direito ao esquecimento que a sua presença nos recusa. Já fomos e agora já não queremos ser aquilo que os olhos dos outros vêem em nós.
Pois é. E por não sermos os mesmos – nós ou eles – há o que se chama desencontro. Mas se nenhum de nós for o mesmo, talvez nos encontremos nas diferenças. Ou nas semelhanças.
Mas olhe que, para o bem e para o mal, também há passados que não passam, actualizam constantemente. Ou sei lá.
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