pacto de sangue dos happy few

Sete Degraus_

Gostava de vos convidar a irem em duas diferentes direcções. Bem sei que vos estou a pedir para se partirem ao meio, mas há momentos na vida em que, se queremos arrebatamento ou mergulhos no mais fundo que de fundo a transcendência tenha, temos de arriscar o corpo para ganharmos a alma.

Peço-vos que deixem metade do vosso corpo ir atrás dos poemas com que Eugénia de Vasconcellos armadilhou um livro a que chamou Sete Degraus sempre a Descer. Descobrirão que, estando em páginas de livros que se fazem em tipografias, a poesia é outra coisa, porque

A poesia não é coisa das páginas dos livros –
não se faz na tipografia.
Ainda que seja nas páginas dos livros que
se fixa depois de a tipografia lhe dar um corpo de papel –
é sempre de amor que se faz um corpo,
é por amor que um corpo se dá.
A poesia é da vida. É de quem tem.
A dor é de quem tem. O amor é de quem?
A alegria?
De quem tem.

E peço-vos que, esse «coração já rico em fogo», deixem que as vossas veias se deslarguem do vosso corpo e corram a ouvir a voz, o rio de palavras, que um grande escritor brasileiro contemporâneo, poeta e romancista, ensaísta e académico, quis generosamente juntar aos poemas de Eugénia. O poeta do outro lado do Atlântico chama-se Marco Lucchesi e da poesia de Sete Degraus sempre a Descer disse:

«Sete Degraus sempre a Descer é um livro de alta poesia. Alta, porque marcada pelo descenso, ensaio de ousadia, pacto de sangue dos happy few. A viagem de Alceste e Orfeu pertinaz, solitária, ao longo de uma incontornável cerimónia de adeus. Como um rito de passagem, a descida de Eugénia coincide com a noite dos sentidos, de Al Berto e João da Cruz, as Moradas de Teresa e o de mundo et partibus de Adélia Prado. Baixar sete degraus, como no Purgatório: eis aqui a génese da transmutação, a travessia da selva escura, enquanto Eugénia espera a iminência da aurora, aunque es de noche.»

E sentimos a suspensão de Lucchesi, respiração travada de quem ganha fôlego, para logo a seguir, um parágrafo à frente, a torrente encantada voltar:

«Eugénia possui uma poesia sísmica, de larga magnitude, mesmo quando parece dizer o contrário, mesmo quando voluntariamente arrefece, no intervalo dos versos, no rumor de fundo que organiza seu canto, ao sabor de uma unidade descontínua, nas ligaduras, que soltam e amarram seus fragmentos, as falhas geológicas, o incessante vulcanismo de lava e lapíli.

Eugénia de Vasconcellos é detentora de uma voz profunda e cristalina, livre e rigorosa, humilde e altiva, filha e mãe das leituras que a atravessam, convocadas pela vida, estratos e camadas de presente, como o mármore de Bernini para Teresa em Santa Maria della Vittoria.»

Por vezes, quando nela há grandeza (que é tentação do abismo) e vida (que é um sereno roçar pela morte), a poesia é física, fusão da palavra, símbolo e metáfora com uma carne exposta, com um corpo inquieto, de insatisfeita satisfação. A poesia de Eugénia de Vasconcellos é essa poesia.

2 thoughts on “pacto de sangue dos happy few”

  1. Sobre a poesia de Eugénia de Vasconcellos, Marco Lucchesi disse. E disse bem. Toca a comprar o livro. Que poesia assim é para ser lida.

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