Quantas vezes já voltei a esta canção? Volto sempre, porque embora seja uma volta grande, uma volta que vai de Lisboa à América, é uma volta que acaba sempre em África. Talvez porque tudo na minha cabeça acaba e começa sempre em África.
Era novo e comunista. Abel Meeropol era um jovem judeu do Bronx. Dava aulas no liceu ali ao lado. Foi ele, nesses anos pós-crash, que escreveu o poema.
Tinha visto a foto das árvores nos jornais. Não viu, mas adivinhou, o balanço que o doce vento devia dar a tão estranha fruta pendendo dos ramos dos valentes álamos do Sul. Mais tarde, tudo a convidá-lo ao sofrimento, compôs a música.
O Café Society era uma cave, no nº1, Sheridan Square, em Grenwhich Village. Billie Holiday era a atracção e cantava para uma plateia branca e negra – uma raridade no final dos anos 30.
Foi o dono, Barney Johnson, que apresentou o impertinente comunista à cantora negra. Abel cantarolou para Billie que, dizem, pareceu pouco impressionada. O desmentido veio dois dias depois. A voz de Billie estendeu-se a todo o comprimento das palavras. Tão deitada como sofrida. Uma voz a roçar a resignação.
Na primeira noite em que Billie cantou “Strange Fruit” não houve encore no Café Society: a felicidade amarga da razão fechou os olhos, cerrou as mãos. Não se aplaude uma canção destas, disse um dia Bob Dylan a Marty Scorsese.
Ninguém quis gravar “Strange Fruit” até que um dia Billie foi ter com o tio de Billy Cristal (sim, esse mesmo) e a cantou a cappella. O disco converteu-se no seu maior sucesso.
O linchamento dos negros era uma festa de família no Sul. Vinham homens, mulheres e crianças brancas ver os corpos dançar nos ramos das árvores. A voz de Billie Holiday encosta-se a uma lenta amargura para evocar a história. A sempre terrível história.
Southern trees bear strange fruit,
Blood on the leaves and blood at the root,
Black bodies swinging in the southern breeze,
Strange fruit hanging from the poplar trees.
Pastoral scene of the gallant south,
The bulging eyes and the twisted mouth,
Scent of magnolias, sweet and fresh,
Then the sudden smell of burning flesh.
Here is the fruit for the crows to pluck,
For the rain to gather, for the wind to suck,
For the sun to rot, for the trees to drop,
Here is a strange and bitter crop.
Poema tremendo. Bem mais sofrido que a canção que o acolhe, digo eu.
LikeLike
Estou contigo, Gonçalo.
LikeLike
Reblogged this on REBLOGADOR.
LikeLike