As Bicas Curtas da semana

Peço desculpa, mas ando numa quase sabática de blogs e facebooks. Só hoje deixo as bicas curtas publicadas no CM há duas semanas, a 7, 8 e 9 de Janeiro. Com as minhas desculpas aos mais fiéis leitores da Página Negra. Um destes dias voltarei à normalidade, mas aviso que ando feliz e bem.

Jewell

A lição francesa

Os sociólogos franceses calaram-se face ao avanço do fundamentalismo islâmico. Denunciá-lo, pensava-se pela calada, era dar armas à extrema-direita. À solta, os fundamentalistas fecharam as comunidades islâmicas em guetos urbanos impondo uma interpretação abusiva do islão que alimenta o terrorismo e os atentados. O silêncio táctico da esquerda universitária foi cúmplice do extremismo que tem os muçulmanos reféns e não impediu que a extrema-direita francesa se regalasse na sopa islâmica.

Aprendamos a lição: evitar os guetos e rejeitar políticas de identidade agressivas que fazem das minorias reféns dos fascistas da identidade.

O crime e a dor

O que matou o jovem cabo-verdiano Luís Giovani Rodrigues? O putativo racismo de um bando de jovens de Bragança ou só um pico de testosterona juvenil somada à cultura machista de exibição e posse? Luís está morto e há uma família que o chora.

Há dias, o pai de um terrorista que matou outros jovens na discoteca Bataclan, sentou-se e conversou com o pai de uma jovem que lá foi assassinada. Comungaram do mesmo luto: são ambos as vítimas que ficam.

A vingança é uma ilusão irracional. Sabem que o ódio deles não serve a ninguém e o perdão também não ressuscita quem morreu. Sobra, face a estes crimes sem sentido, uma dor irreparável.

As iludências de Clint

Dos seus 90 anos, Clint Eastwood jura-nos, no seu filme “O Caso de Richard Jewell”, que a promiscuidade entre a polícia e a imprensa é mais letal do que Cristiano na marca de penalty.

Ora, a alma do seu filme não é a denúncia. O que Eastwood filma é a inocência. E vejam, a inocência é gorda e não faz dieta, é patriota, vê com candura a lei e ordem e gosta sem reservas de armas. Clint retrata uma inocência transbordante e confiante. Choca com todos os nossos preconceitos? Oh, se choca. De frente. A 100 à hora. Prova de que as aparências iludem. Ou, como dizíamos quando éramos miúdos, em inocente trocadilho, as iludências aparudem!

A mão raivosa

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Bica Curta servida no Cm, 3ª feira, dia 23 de Abril

As bombas mataram no Sri Lanka: assassinaram 300 seres humanos num domingo, quando celebravam a ressurreição e a vida. Mataram-nos por serem cristãos. Tal como, na Nova Zelândia, outros foram trucidados por serem muçulmanos. Ou judeus são atacados.

A mão que segura as bombas é sempre a mesma, a mão da intolerância, a mão em fúria, irracional, que estremece de raiva mal sente a presença do outro, do que veste, come, reza, bebe até a bica de maneira diferente. Em tributo aos mártires, a luta continua: pela tolerância. O mundo tem de ser um bazar: de raças, religiões e costumes, de direita e de esquerda. A vitória é certa.

O supremacista

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Bica Curta servida no CM, dia 20 de Março

Um supremacista branco assassinou 50 muçulmanos que rezavam, na mesquita, ao seu Deus. O que é um supremacista branco? Que raiva lhe bombeia o sangue e o arrasta para o crime cobarde? Vejo nele o mesmo fervor tribal, identitário, que anima o neofascismo, o radicalismo ideológico, religioso, étnico, de género.

Todos são ferozes defensores da tribo: um retrocesso civilizacional. Lembro o que o capitão do mato, poeta Vinicius de Moraes, disse orgulhosamente que era: o branco mais preto do Brasil. Dedico-lhe esta bica. Eu também sou branco, preto, judeu, muçulmano. Supremacista branco é a besta que se reduz à merda de uma tribo.