
Hoje, fui ao cinema Ideal ver Roma, o filme de Alfonso Cuáron. Descobri-me em muitos momentos do filme – passa-se em 1971 – e isso foi, senão uma roda gigante, pelo menos um carrossel de emoções. Não contava, a um dia da data em que celebramos o nascimento de Jesus, deparar-me no filme com uma cena que é a mais pura anti-natividade que já vi filmada, belíssima e pungente. Como não quero afogar-vos em spoilers, não conto. Direi só que em Roma, não nasce o Menino Jesus, e nada se passa como se terá passado em Belém há 2018 anos.
Por causa desse dia, amanhã vamos cear, conversar, rir e chorar. Recordaremos a infância, os pais já mortos, misturaremos bacalhau, um galo capão, rabanadas, coscorões e sonhos. um módico de espiritualidade e sacos de prendas, livros, mais um cinto de fivela dourada, um colar e um vestido, pequenos gestos de dádiva que quebram as barreiras, as distâncias, os silêncios dos outros dias.
Em tudo isso, que alguns dirão serem rotinas e convenções, eu vejo uma bondade grande, a bondade de nos tratarmos bem a nós próprios e aos outros. Há quem queira uma radical mudança do mundo, um mundo de pura verdade, um mundo de total felicidade, um mundo de uma perfeição de platina. E eu, o cansaço dos 65 anos a sossegar-me músculos e ossos, os pobre olhos míopes a semicerrarem-se, só quero louvar os pequenos gestos, um saboroso grama de felicidade, um olhar comovido, um riso que cintila como a primeira estrela e logo se apaga.
Que essa pequenina felicidade intermitente, que eu tanto amo e em que tanto confio, esteja convosco nesta noite de Natal, é o que desejo a quem gosta e visita a Página Negra, aos meus amigos do facebook e ao que já eram ou que continuarão a ser meus amigos, haja ou não facebook. Feliz Natal.