Se aos 20 anos, no escuro do cinema, quisesse deslizar a mão acima do joelho, por baixo da tua saia, não te levaria a ver, de Terrence Malick, “Tree of Life”.
É um filme complicado e simples. Filma a infância de três miúdos, pai e mãe, no Texas dos anos 50. Filma-lhes o medo e a alegria, vida e morte. Nos filmes habituámo-nos a que a vida faça sentido. Neste, o sentido das personagens não cabe nem se resolve na vida deles. Mas é um filme belo e simples como a mão sobre a redonda doçura de um joelho.
“Tree of Life” tem sede e fome de sentido: sede cósmica; fome metafísica. Não lhe basta filmar uma família. Filma – como o Kubrick de “2001”, dirão e mentem – a origem delirante de céu e terra, a luz bruxuleante, quase nada, onde começámos (que é o nada? o que é começar?) até à obscena explosão de vida a que chamamos natureza. É um turbilhão exaltante, mas já não é tão simples: tiro a mão, retrais o joelho.
Repito: a matéria de “Tree of Life” é o sentido. A de “Apocalypse Now”, lembram-se, era o rio; a de “Eyes Wide Shut” a impotência. Malick filma o infilmável: o sentido da vida, da dor, da felicidade. Aceitemos a ilusão de que o centro do filme é Jack, o irmão mais velho. Jack diz palavras terríveis à ausência de sentido. Trata-a por Tu maiúsculo e, quando procura a graça, sufocado de fé como Job na Bíblia, diz-lhe “Quem somos nós para Ti?” Mas o que deveria perguntar é “Sem Ti, o que é que nós somos para nós?” O silêncio desse invisível Tu, Deus talvez, é pavoroso e o vazio deste “pedaço” de filme é de uma espantada complicação.
“Tree of Life” não conta uma história. Malick começa a filmar as suas personagens onde “East of Eden” ou “Rebel Without a Cause” as deixaram nos anos 50. Elia Kazan e Nicholas Ray já tinham contado as histórias de amor e ódio ao pai, desejo da mãe, mortais ciúmes de um irmão. Malick filma sobre as ruínas e fragmentos desses “clássicos”: exibe o cruel tiro dum irmão no dedo doutro irmão, mostra o nariz do rapaz que cheira e acaricia e lingerie da vizinha. Filma o perplexo Sean Penn como se o presente dele fosse uma mão e o passado lhe escorresse pelos dedos entreabertos. Presente que o passado infecta de sentido.
“Tree of Life” precisa da cara amargurada do pretensioso Sean Penn para nela desaguarem as cenas familiares dos anos 50, troços de home movie em que até a felicidade é filmada com a aura da infelicidade. Mas glória de “Tree of Life” é a cara de Brad Pitt, pasmosa criação de pai abraâmico, e é a cara de Hunter McCraken, o miúdo que, no belíssimo desenho da infância de Jack, desenha a nostalgia da inocência e a patética vontade do paraíso. Ou não fosse a porta do cinema a porta do paraíso a que se acolhe uma mão, a lisa pele de um joelho.