
Não sei se comece por Matt Dillon ou por Gene Hackman. Foi no mesmo hotel, o Sunset Marquis que choquei com os dois. O hotel fica no finalzinho da Sunset Strip, minúscula área da Sunset Boulevard boa para se andar a pé e que tinha até, na viragem do século xx para o xxi, uma livraria, Soup for the Soul, se ainda há nestes pobres neurónios memória do pó los angelino.
Na noite Dillon, chamemos-lhe assim, o Zé Navarro e eu fomos lá beber uns copos, a convite. Entrada selectíssima, num pátio ao ar livre, mesmo ao lado do bar, e demos com o Dillon. Tinha companhia e se era um velho ou novo affaire, o ainda jovem Matt estava longe de qualquer paroxismo ou angústia. Deambulava com o seu par, como Deus com os anjos, uma conversa suave e risonha. Mas a presença do coppoliano actor electrizava o hotel. E no bar, já havia ninfas em êxtase, uma das ninfas libertando o seio alvo, mamilo oferecido à boca de um qualquer e feliz fauno.
Lembrei-me de Eddie Mannix e de Howard Strickling, os dois mais famosos “fixers” de Hollywood. Eram eles que, no cinema clássico, consertavam a vida dos mais autodestrutivos dos actores: cuidavam de abortos, violações, estampanços de automóveis. Descobriria, já depois de deixar de ir a Los Angeles, cidade de que fui peregrino anual de 1992 a 2009, que o “fixer” actual é bem mais sombrio. Anthony Pellicano, condenado e preso, é o mais gritante exemplo. Nicole Kidman que o diga, escutada e gravada por ele, ilegalmente, logo que arrancou o seu processo de divórcio de Tom Cruise.
Pellicano merece uma crónica. Mas esta é a minha crónica de Los Angeles, cidade que conheci de autocarro, que só quase os pobres usavam, em 1986, com uma bolsa para estudar Coppola, três meses no campus da UCLA. Li no jornal gratuito da universidade, que um violador em série ameaçava o campus. Era o “blues suede shoes black rapist”. Um dia, na biblioteca, o funcionário afro-americano que me trazia livros, revistas e vídeos, olhou para os meus sapatos e viu que eram de camurça. Azuis, nem de propósito. Gritou: “Está aqui o violador dos ‘blues suede shoes’. Afinal é branco!” e ria-se. Era um afro-americano e tinha um sentido de humor caluanda. Que foi, aliás, o que a Califórnia e Los Angeles me lembraram: a Angola colonial. No clima, na leveza da roupa, na forma de vida informal.
Depois da sopinha dos pobres, frequentei, como diria o João César Monteiro, a sopinha dos ricos. Na SIC, visitei Los Angeles todos os anos, às vezes duas vezes por ano. E fiquei, uma ou duas vezes no Sunset Marquis. Sem Matt Dillon, diga-se, mas ao pequeno-almoço, na piscina, apanhei o Gene Hackman dois dias seguidos. Pequenos-almoços tardios, só nós os dois. E ele abrigava-se atrás de um jornal enorme, para não me ver e para que eu não o visse.
E não há piscina tão bonita como a do Chateau Marmont, hotel também na Sunset. Dessa piscina tem-se a vista nocturna mais inquietante de Los Angeles. São quilómetros de luzes, filas de luzes brancas, o incêndio vermelho de faróis retrovisores e de intermitentes semáforos, artificio e luminescência, certeza de que o mundo é só uma ilusão criada pelo homem. E lá estava eu, também com o Zé Navarro, e as amigas e amigos espanhóis, na exuberante noite los angelina, quando a mulher perfeita passa pela multidão em festa. Vinha só de roupão, que deixou cair, a nua brancura dela a contrastar com o “blue moon” da piscina. Mergulhou e nadou cinco minutos, límpida e nua. Um “fixer”, roupão na mão, ocultou-a, quando saiu: a intranscendente e intocável nudez de Los Angeles.
Publicado no Jornal de Negócios
Afinal é Sunset Marquis ou Chateau Marmont.
Bela crónica!
LikeLike
São os dois. E são os dois, o Sunset Marquis e o Chateua Marmont, em cima de Sunset Boulevard.
LikeLike
Faltou um ? a seguir a Marmont…
LikeLike
Não faltou nenhum ponto de interrogação. Há uma longuíssima avenida (mais de 20 km), a Sunset Boulevard, um dos seus troços, walking area, uma raridade em LA, chama-se Sunset Strip. Aí, numa transversal, fica o Sunset Marquis. Continuando mais um 1 km (ou nem tanto, se me lembro) fica o Chateau Marmont.
LikeLike