Fios de prata

Gosto destas tardes. Um calor denso, horas presas por quentíssimos fios de prata. A única fuga é direitinha ao céu. Deitado na areia, andam pela minha cabeça restos de infância, a inocente motorizada NSU do meu pai a atravessar o musseque Sambizanga, eu à frente, quase ao colo dele, a minha irmã atrás, a caminho da escola da Missão de São Paulo. Eu, devagarinho e menino, a deixar de ser português, devagarinho e menino a balbuciar Luanda, Angola. Dor e prazer que sempre trago e com que morrerei, a de querer ser, ao mesmo tempo, essas impossíveis duas coisas.

Ah, este é um bilhete postal para a Alice, que hoje faria 96 anos. E faz, nesta minha cabeça de palmeiras e Sambizanga.

6 thoughts on “Fios de prata”

  1. Boa tarde Manel
    Continuo a apreciar as tuas crónicas e particularmente as que recordas a nossa Luanda. Tem piada algumas coincidências com o meu trajecto – as viagens na NSU, a passagem pela escola de S.Domingos em 1957 e depois pela escola 15 na Vila Clotilde, o percurso pelo Salvador Correia, etc etc.
    Vai dando mais algumas lembranças dos bons tempos passados ali.
    Quando vieres a Faro diz .
    Abraço
    Delfim

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  2. Não conheço Luanda mas, destas crónicas, conheço Alice. Vivemos na memória de quem nos gosta. Mas não é a mesma coisa.

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