Sarita Montiel

Esta apologia de Sara Montiel já tem 29 anos. Publicou-a o velho Expresso, a 21 de Março de 1992, e julgo que foi logo a seguir a uma visita de Sarita a Lisboa, que fez a sala da Cinemateca encher-se até ao tecto.

Cara, decote e voz
Manuel S. Fonseca

TINHA truques. Na Cinemateca, numa das maiores apoteoses com que o público de Lisboa brindou uma estrela convidada, Sara Montiel, 64 anos, muito pouco vestida, e toda em rosa, num estilo que Almodóvar copia em «mui-to-po-bre», contou um dos seus truques favoritos. Filmava com Gary Cooper. A cena era iluminada por um gigantesco projector de arco. Os olhos de Cooper eram só um traço, incapazes de se abrirem, tão violenta era a luz. Sara, pelo contrário, lá estava de olho arregalado. Cooper quis saber como é que ela conseguia. «Tenho um truque», disse ela. «Diz-me qual é», pediu-lhe o galã. «Não é de dizer, é de fazer», explicou ela, levando-o para um canto. Puxou de um frasquinho e deitou umas gotas em cada um dos olhos de Gary Cooper. «Anestésico», segredou Sarita a um Cooper que, durante quatro horas, passou a ter faróis em lugar de olhos.

A carreira de Sara Montiel deve começar a ver-se pelo meio. Os primeiros anos foram anos de chover no molhado, filmando para poder  continuar a levar o pão à boca. de Ti Quiero Para Mi (1944), a sua estreia aos 16 anos de idade, até Pequñeces (1950), nem ela pareceu interessar a câmara, nem os espectadores viram nela, e no que dela se podia ver, motivos para sobressalto.

Essa primeira fase espanhola já estaria esquecida e enterrada, se o caso de popularidade de Sarita não tivesse, explodido, inopinadamente, na fase que se iniciou com El Ultimo Cuplé. Maltratada e mal paga, Sarita Montiel deixou, em 1950, a ingrata, espúria e mesquinha Espanha, procurando emprego e papéis mais adequados no então florescente cinema mexicano. Começou com Necessito Diñero e acabou com Yo no Creo en los Hombres, passando por Cárcel de Mujeres, títulos suficientemente sugestivos para descrever o tipo de ficção populista e as personagens primárias que incarnou.

Foi por esses anos, de 50 a 54, que a sua presença começou a ganhar na tela parte das qualidades eróticas que seriam trampolim para a fama ibérica e latino-americana, qualidades que entretanto pôde exercitar em Hollywood, primeiro no conhecido Vera Cruz, de Robert Aldrich, ao lado de Burt Lencaster e de Gary Cooper, e logo a seguir em Serenade, de Anthony Mann (com quem se casou), e em Run of The Arrow, de Samuel Fuller. O sol da Califórnia foi, todavia, de pouca dura.

Em Espanha lembram-se então dela, convidando-a, em 1957, para um filme que ninguém queria fazer e muito menos alguém queria pagar. O que ninguém adivinhava é que a carreira de Sarita Montiel estava, nesse momento, naquele ponto exacto em que repousa toda a virtude, ou seja, estava a meio. E ainda menos poderiam adivinhar que esse filme, El Ultimo Cuplé, parecendo ser durante a rodagem quase uma humilhação para quem o fazia, se iria converter no maior sucesso popular do cinema espanhol, obrigando a apreciar a nova luz tudo o que Sarita tinha feito para trás e, sobretudo, criando expectativas para tudo o que a actriz iria fazer daí em diante.

 Cara, decote e voz foram os três vértices do sucesso de Sarita, por obra e graça de El Ultimo Cuplé, convertida em avatar do erotismo ibero-americano, para uso de quarentões a cauterizar casamentos no mínimo enfadonhos. La Violetera, Carmen la Ronda, Mi Ultimo Tango e Reina del Cantecler tornaram-na, no final dos anos 50 e no começo da década de 60, objecto de devoção e de peregrinação das classes mais desfavorecidas, nas tintas para os dramas ideológicos ou de acção social que a sociedade espanhola politizada vivia. Hoje, seja como fenómeno «camp», seja por recuperação cinéfila, mais ou menos historicista, Sara, a bela Sara, voltou a despertar as velhas «loucuras de amor». «Esa mujer»!

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