The Godfather, cena 4

Ia dizer que é uma cena de louvor do crime. E diria mal, porque esta é uma cena em louvor da lógica. O meu professor M.S. Lourenço, que escrevia com a mão direita, e escrevia a giz ainda no quadro negro na Faculdade de Letras, o que logo apagava com a esquerda, filósofos como Frege, Russell, o Wittgenstein do Tractatus, todos se renderiam à serena placidez de Al Pacino, a essa voz mansa que ele empresta ao implacável, por tão racional, Michael Corleone.

Sem levantar a voz, com o mesmo rumor monótono de um rio, Michael encosta o cunhado à crua verdade, aos terríveis e irrecorríveis factos que enumera. Tudo num ritmo de cada vez mais sufocantes campos e contracampos. “Don’t be afraid, Carlo”, diz Michael. E já um medo cósmico consome Carlo. Nada melhor do que descrevê-lo com o mais vulgar estereótipo: Carlo tem já a fronte perlada de suor, escreveria o nosso estafado neo-realismo.

E depois, num ritmo de que qualquer mestre de cerimónias se orgulharia, a coreografia começa. Um bilhete de viagem, uma mão que ajuda, gentil, a vestir um casaco, a luz deslumbrada do exterior, a mala no porta bagagens do carro, a entrada para o banco da frente. No banco de trás está Hans Holbein, isto é, está a morte que Hans Holbein pintou no século XVI, morte vizinha, dialogante – “Hello, Carlo!” – e prática. Um sapato parte e trespassa o vidro do pára-brisas. Sabe-se lá de onde, chega e lava-nos a música de Nino Rota. Água límpida.

Não é um ofício para amadores apavorados. O crime é visceral. Não se mata, vinga-se alguma coisa. Não se estraga nada: dispara-se para reparar uma ofensa. Depois do crime as coisas ficam melhores, ficam arrumadas.



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