Pagou-lhe uma reconstrução dentária

Uma festa de Joan Crawford. Talvez haja mais homens do que mulheres

Ainda não se tinha inventado o telemóvel e já a actriz Joan Crawford tinha 26 telefones em casa. Ainda não se inventara o GPS, e já Joan usava sininhos nos chinelos para que os criados soubessem sempre onde estava, na sua estarrecedora mansão.

Dirão que a nostalgia faz de mim o idiota da subjectividade. Porém, lendo os jornais da época, vemos que Hollywood não era a parolice coberta a dólares que alguns chutam para canto. Nem falo dos anos em que Stravinski se cruzava com Katharine Hepburn, Edith Stilwell metia um dedo de conversa em Gregory Peck, Thomas Mann observava Cukor e Brecht não falava com ninguém porque toda a gente só tinha ouvidos para Aldous Huxley.

Era a Hollywood cheia de refugiados dos anos 30. Mas venham a 1947, ao Le Pavillon. Joan Crawford dá uma festa em honra do dramaturgo Noël Coward. Conhecera-o em Londres e dissera, tradução livre: “É uterinamente repulsivo, como uma Mary Pickford inglesa.” Adoraram-se. Tanto que a sonsa imprensa inglesa lhes inventou um romance, apesar da rutilante homossexualidade de Coward.

Veio à festa Hollywood inteira, Irene Dunne, Marlene, Barbara Stanwyck, Gene Tierney, Tallulah Bankhead. Só mulheres? Não. Havia mesmo mais homens do que mulheres porque Crawford convidara os ex-amantes e ex-maridos.

Alguém perguntou a Coward o que achava da anfitriã. “Amo-a, embora esta noite só ainda lhe tenha visto o ombro esquerdo. Está sempre virada para o tipo que sentou à sua direita.”

À direita, Crawford tinha Greg Bautzer. Era um jovem advogado e andara à pancada com um tipo a quem ouvira dizer que Joan era “carne fácil”. O tipo partiu-lhe os dentes todos, mas Joan, comovida com o angelismo de Bautzer, pagou-lhe a reconstrução dentária. Descobrira que, mais do que advogado, ele era muito bom onde ela gostava que ele fosse muito bom. Só por isso, deu-lhe um fulgurante Cadillac.

Foi a provocadora Tallulah quem apresentou o novo amante de Joan a Coward. Fez como já antes fizera a Errol Flynn: “Vocês foram feitos um para o outro. Porque não vão foder para um sítio qualquer?” O angélico Bautzer ficou de cara à banda, mas Coward bem sabia em que provocações Tallulah se metia e o metia: “Desculpa, querida, o cavalheiro tem os dentes grandes demais para o meu gosto.”

Os dois homens deram-se com a inocente intimidade de Deus com os anjos. Falaram, beberam e à despedida Coward rematou: “A despropósito, ainda continuo a achar que tem dentes a mais.”

Joan Crawford com Greg Bautzer. Terá ele dentes a mais?

2 thoughts on “Pagou-lhe uma reconstrução dentária”

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Twitter picture

You are commenting using your Twitter account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.