
Ligaste-me. Eras tu. Tinhas sabido que eu me metera numa trapalhada e num susto covidianos e vinhas pôr-me na linha. Tenho a tua voz aqui: entrou pelo ouvido esquerdo e ficou. Combinámos que íamos jantar: querias discutir as minhas crónicas e contar histórias que dariam sal e pimenta (sabiam sempre a riso, o teu sal e pimenta) a outras histórias.
Eis o que tenho a dizer: não acredito na notícia da tua morte. Como se tu pudesses morrer! E tenho, entradinha pelo ouvido esquerdo, há cinco dias, a tua voz guardada na minha mente, a tua tão linda, charmosa voz. O resto são ficções, fantasias, labirínticos sonhos borgesianos. Como se tu, Carlos, pudesses morrer.
Cantarás sempre – dentro das nossas cabeças, como escrevi, numa das minhas bicas curtas, que leste e de que tanto gostaste, e agora recordo:
Carlos do Carmo vinha, fim de semana, à sua casa na Caparica. Eu, colega de Filosofia da querida Judite, sua mulher, chegado de dois anos de independência em Angola, andava por ali com a tão bela Antónia. E ele, grande como Brel e Sinatra, abria-nos a casa. Bebíamos a bica curta, o filho às voltas, de triciclo. É inútil louvar a sublime voz do Carlos. Dizem-me que vai cantar o último concerto. Mentira. Conheço-lhe a inacabável generosidade, a sedução dos olhos, discurso e corpo. A voz dele, igual à sua humanidade, é torrencial e imparável. Como no poema de Rimbaud, a voz do Carlos, mar que o sol abraça e leva, respira eternidade.

Começamos mal o ano novo; dele cmgo ficam a voz doce e bonita e a tristeza sentida dos amigos! Abraço Manuel e cuida-te! Bom Ano Novo!
Enviado do meu iPhone
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Vamos sempre ouvi-lo cantar!
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Há gente que não morre, mas a verdade é que se vai sem remédio. Fica a memória. E a voz sentida a derramar a doçura de tanto amor português.
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Vamos, admitamos com algum optimismo, mudando de sítio.
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