
Estava a olhar para o cinema e para a literatura e o cinema e a literatura a olharem para mim já meios virados, como as miúdas da Vila Alice, em Luanda, quando eu era adolescente – “o que é que foi? estás a olhar o quê? nunca viste?”
Não, nunca tinha visto. Lembrei-me de uma coisa que o insidioso Norman Mailer disse do J. D. Salinger: que o Salinger era the greatest mind ever to stay in prep school. Apetece-me roubar-lhe a ideia e virá-la ao contrário: o cinema é uma aventurosa arte de liceu. Ou seja, o cinema nunca saiu do liceu. Ficou lá, juvenil, cheio de aventura, com um lindo lirismo ingénuo.
Faz uma grande diferença. A literatura, que já tem outro caparro, séculos de sarro subversivo e subtexto, com tantas sílfides como hipérboles, a literatura é hercúlea quanto baste para aguentar a universidade e não se ir abaixo de desgosto.
O cinema não. Se lhe cai a universidade em cima – essa universidade que já nasceu caturra, de casaca e seminário, de monóculo e work in progress – se lhe cai em cima o Deleuze ou os primos, hermenêutica e semiótica, o cinema torna-se logo uma merda execrável.
O mais bonito do cinema é ser à frente liceu e nunca atrás museu. É por isso que o mais belo livro de sempre do cinema é essa conversa de um falso e anafado mestre com um aluno que, de tanto chumbar, nunca há-de sair do liceu. O gordo Hitchcok, o “fugueiro”* Truffaut

*Fugueiro – Termo usado em Luanda, no liceu Salvador Correia: o que “fuga”, o que falta às aulas.
Que grande livro! É-o, creio, porque havia um Truffaut que sabia o que perguntar. O nem sempre acontece…
LikeLike
Muito bem dito. Nunca tinha pensado nisso. Na mouche.
LikeLike