
Há quantos anos não ando de pendura com o meu pai nesta moto? Mas era uma assim, BSA, que o jovem pai Artur tripulava, com uma aisance irrepetível, mesmo quando nos espalhámos aparatosamente nas areias que levavam a uma praia fora de Luanda, logo a seguir ao Morro dos Veados, onde íamos, ainda não eram as seis da manhã de um domingo, apanhar caranguejos.
Neste ano da graça de 2020, o meu pai já teria 98 anos. Ando a juntar anos para forçar o reencontro, mas é só burocracia. Não aceitam qualquer um nesse além que talvez seja muito lá em cima ou porventura aqui ao lado. É uma questão de tempo, dizem e dizem que são mais dez anos e depois logo pedem outros 20. A última exigência é que, se eu quiser juntar-me, tenho de saber tocar bandolim com metade do estilo dele, dançar a valsa como se tivesse nascido em Viena, ser amado como um irmão e seguido como um chefe por cães e gatos e até mesmo canários, uma arara e um saguim, fazer rir perdidamente as netas, ser capaz de fazer com as próprias mãos uma cadeira, uma janela ou uma casa. Em alternativa, basta superar a prova por que passaram todos os príncipes que já venceram dragões: ter desenhada na mente a mais humana bondade, no rosto o mais humilde dos sorrisos.
De lá, seja onde for, se calhar por ele lhes soprar aos ouvidos, as meninas que gerem aquilo mandam-me para trás e dizem-me: “Ó filho, cresce e aparece!”
Bonito texto.
Bonita moto. As (motos) inglesas sempre foram bonitas. BSA, Norton, Triumph.
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Gonçalo, houve ali umas décadas do século XX em que toda a estética era mecânica e motorizada.
Obrigado pela simpatia.
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Fica-nos o amor nestas coisas, é com elas que alimentamos memórias.
~CC~
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Ou não fosse o amor uma terra de leite e mel…
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Lindo texto!
“Ando a juntar anos para forçar o reencontro, mas é só burocracia.”
Lindo, insisto!
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Caro Diogo, grato pela simpatia.
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