
Saí há minutos da sala de cinema. Fui ver Aznavour, le regard de Charles (Aznavour por Charles, em português). Eu sempre vi e ouvi nas canções de Aznavour, além da voz e dos violinos nos tempos certos (como se eu soubesse, valha-me Deus – mas era como se desculpava, em vida, o meu velho amigo Chico Grave, por tanto gostar e por ter aprendido com o Zé Mário Branco), sempre ouvi, dizia eu, outro som, outro anseio que ia bem mais longe do que a aparente sentimentalidade das palavras e da composição, a que se juntava a expertise do crooner.
Este filme, delicioso e nostálgico, veio dar-me razão. Edith Piaf, em 1948, deu uma câmara de filmar a Aznavour, que era então seu secretário. De 48 a 1982, Aznavour filmou tudo e filmou-se todo. Há quem tenha um diário, quem vá escrevendo textos para memória futura. Aznavour, em 8 e 16 mm filmou a sua vida, à procura das suas raízes e desraízes arménias e outras, filmou a sua luta para vencer preconceitos e barreiras no mundo da canção, filmou Marrocos, Argélia, Senegal, quem sabe se a Luanda onde esteve nos anos 60, filmou a América e a União Soviética, Hong-Kong e Macau, o Japão. Filmou as mulheres que amou, o filho que as drogas mataram aos 25 anos, filmou os amigos e Paris, Veneza, o mar. As imagens são de uma sinceridade tão amorosa como pungente. Há nelas um olhar, porque Aznavour tinha um olhar, carregado de uma sempre insatisfeita ambição à procura dessa coisa francesa a que eu chamaria bonheur. Felicidade? Talvez, mas o bonheur francês sugere um bem estar tranquilo, um contentamento de boa hora, de que a agitação sonora da palavra “felicidade” nos afasta e perturba.
O fio narrativo em off recupera textos, entrevistas ou letras das suas canções. É de uma sensibilidade admirável, pela exposição e pelo conhecimento de si que procura e alcança. Marco Di Domenico, a quem Aznavour entregou os filmes e a missão de os converter neste documentário (que é um bela peça de ficção) de menos de 90 minutos. A homenagem que lhe faço é que gostaria de ver ainda mais, e de passear com ele pelos inesgotáveis quilómetros de imagens que ficaram no arquivo.
Back to business! Finalmente, Manuel!
Tenho uma imensa curiosidade por este filme que li ia estrear. Road movie, diário íntimo, ou o que seja, é das coisas que gosto e pouco encontro. Óptimo regresso.
Abraço.
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O que é mesmo muito bonito no filme são as imagens que Aznavour ia filmando e guardou. São mais do que registo: há nelas um muito grande amor ao humano. Bom filme, Gonçalo.
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