
Procura a delicada diferença, a mulher que cai do céu
Amigos, eis por que ando sempre de cara levantada ao firmamento: estou à espera de ver uma mulher descer dos céus. Reparem, a 13 de Maio de 1917, uma Senhora surge, assim, do atónito nada, em cima de uma azinheira. Um mês antes, Lenine faria uma revolução com uma prosaica chegada de comboio a São Petersburgo. Lenine, como qualquer trangalhadanças de calças, chegou numa onda de CO2, uma fumarada ferroviária e operária; já a Senhora, luminosa como o Sol, pairava a metro e meio do intocado solo, o inefável pé aflorando as ecológicas folhas de uma árvore. Eis o que os meus olhos procuram no céu: essa delicada diferença.
Há quanto tempo descem mulheres do Céu? No último ano do século XVIII, uma francesa, Jeanne-Geneviève Garnerin desceu majestosa da celeste abóbada, de uma altura, diga-se, muito superior ao metro e meio da azinheira da Senhora de Fátima. Jeanne-Geneviève mergulhou de 900 metros acima do solo e tocou incólume a cara espantada e parva da terra.
E eu já devia ter dito que ela foi já a primeira mulher a pilotar um balão a hidrogénio. Fora aluna e, por serem as nuvens e o céu propícios, logo mulher de André-Jacques Garnerin, um pioneiro das viagens de balão de ar quente. Quando André-Jacques anunciou que levaria uma mulher na cesta do seu balão, oh, oh, a França logo lhe moveu uma providência cautelar. Essa erecta e aérea proximidade de dois seres sexualmente diferentes tinha implicações morais. Um preclaro juiz estabeleceu, porém, que tendo-as, não eram nem mais, nem menos do que as implicações morais de um homem e uma mulher se montarem juntos numa carruagem.
Mas levantem a cabeça para os céus de França, lá vem Jeanne-Geneviève a descer, uma ampla abóbada de pano enfunada sobre a sua cabeça, fios firmes a segurá-lo à cesta onde ela se mantém, sem alarme, de pé e serena. Saltou, a 12 de Outubro de 1799, de paraquedas de seda antes do paraquedas ter sido inventado. Os Garnerin, marido e mulher, registariam a patente da invenção e a sobrinha, Elisa, seria a primeira paraquedista profissional, herdando de ambos a intrepidez: de França a Espanha, da Itália à Alemanha, vinda do céu, apareceu 39 vezes aos trémulos e sarapantados pastorinhos que todos os humanos eram no começo do século XIX, se é que não os continuamos a ser, dois séculos depois.
E peço que concordem comigo: como é irresistível a atracção dos céus. Menos de um século depois da senhora Garnerin, outra mulher, a americana Mary Breed Hawley Meyers, mais conhecida por Carlotta, a Dama Aeronauta, faz a sua 180.ª viagem de balão e algo corre mal. Destemida, corta todas as amarras e agarra-se às cordas do balão, transformando-o num improvisado paraquedas. Viaja assim 15 quilómetros descendo lentamente até deslizar pela estupefacta terra com os seus sapatos de cetim.
A 4 de Julho de 1888, em Los Angeles, Jenny Rumary Van Tassel, escapou a um detective que trazia a ordem de proibição. Subiu num balão, estabilizou-o a quase dois mil metros, segurou num paraquedas e saltou. Os primeiros metros são uma vertigem; não é, jurou ela, como uma ave ou um anjo, mas como roçar-se pela sensação de voar. E durante 5 minutos e quinze segundos, assim veio do céu, esta mulher alta, bela, decidida e loira.
Adeline Gray já é outro exemplo. Estavam todos os homens americanos em guerra, em 1942, sem a seda do Japão com que se faziam os paraquedas: era preciso caçar com gato e fez-se o paraquedas de nylon. Adeline ofereceu-se para o primeiro salto real. Veio do céu, muito mais bela do que uma medusa, e caiu, com uma graça de Nureyev, à frente dos narizes de 50 majores e generais americanos, sem lhes pisar os calos.
Levantemos os olhos bem alto: centenas, milhares de mulheres caem, há três séculos, do céu.
Publicado no Jornal de Negócios
Que coisa tão bonita de ser lida! Eu, sempre que ando de nariz no ar, deixo-me cair; como é que o Manuel consegue é que não sei.
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Levitando, está claro 🙂
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