
Que bom será descobrirmos estar vivos depois de termos morrido!
Depois de morto, foi um dos maiores ladrões da História. Foi depois de ter morrido que Adam Worth assaltou bancos e banqueiros, vários donos disto tudo, roubando dinheiro, diamantes e, por essa delicadeza que nos faz ganhar uma alma, mesmo arte.
Não precisam de me torturar, confesso: Adam Worth fazia parte de um escol particular de mortos, estava vivo. A primeira vez que descobriu ter morrido foi numa enfermaria das tropas unionistas na Guerra da Secessão. O seu nome constava da lista dos caídos em combate. Aproveitou e saiu de mansinho. Com outros nomes, e para receber o prémio de recrutamento, voltou a morrer e a alistar-se várias vezes.
Mas vejamos, este paupérrimo judeu alemão desaguou, com cinco anos, no sonho americano, em Massachussets. Depois da tropa, armou uma rede de carteiristas em Nova Iorque e acabou preso em Sing Sing, cantável cárcere de onde se vê o leito do rio Hudson. Adam era homem baixinho, menos velhaco do que bailarino, agilidade que o ajudou a evadir-se.
Fosse com que nome fosse, e teve vários, tombou numa escrupulosa reflexão filosófica e concluiu: “Não é mais difícil nem mais arriscado roubar um milhão do que um simples dólar!” Com a estrutura lógica de um Kant, nunca mais se desviou desse princípio moral, a que somou o ódio pela violência, que o seu senso e sensibilidade abominava.
E agora olhem para a plácida fachada do Boylston National Bank, em Boston. Os empregados saíram e as imperturbadas portas e janelas estão fechadas e sonolentas. Nada faz adivinhar a agitação que assola os cofres. Adam e o seu cúmplice Charley Bullard, com um carisma mobilizador que nem o velho Lenine, cavaram um túnel e persuadem milhões de notas a segui-los. Rendidas, as notas irão com eles para Londres onde Adam e Charley correm a esconder-se, mudando de nomes e fazendo-se passar por cavalheiros da finança & indústria.
Pode ter-se sorte no dinheiro e no amor? Pode! Os dois cavalheiros entram no faiscante Washington Pub e está Maureen O’Hara ao balcão. Minto, mais bela ainda do que Maureen O’Hara é a irlandesa, toda ruiva, como mais tarde ambos atestam, Kitty Flynn Terry. Apaixonam-se os três e a três viverão juntos tudo o que juntos se vive, mesmo depois de Charles casar com ela, o que, por ser já casado, era bigamia. A paternidade das duas filhas de Kitty reclamam-na os dois.
Adam só trabalha com honestíssimos ladrões. Na sua mansão, no iate, todo o pessoal é cadastrado, competência sem a qual não admite ninguém. A sua mão invisível ataca bancos, milionários, companhias de seguros e o tesouro público. Caça grossa, sempre. E arte: a tela em que o grande pintor Gainsborough retratou a duquesa de Devonshire, roubou-a ao banqueiro que a comprara pelo mais alto preço já pago por uma pintura.
Apertados pelos detectives da inultrapassável Agência Pinkerton, os subversivos Adam, Charley e Kitty vão para Paris, em 1871, dias depois do estertor da Comuna e montam o American Bar, na rua Scribe. Da porta para dentro era tudo ilegal. Ali se juntava a Internacional do gangsterismo. Pinkerton, o detective ele mesmo, também lá veio e acabou, como eu, deslumbrado pelos modos e filosofia de Adam.
De volta a Londres, Charley é descoberto pela primeira mulher e, alcoolizado, morre. Kitty parte para Nova Iorque, em segundo casamento. Por fim, Adam é preso. Kitty, riquíssima, paga a sua defesa e Pinkerton tenta reabilitar o amigo ladrão, devolvendo a tela de Gainsborough e jurando para a posteridade que Adam fora “o mais admirável dos bandidos que a cidade produzira”.
Publicado no Jornal de Negócios
Tenho a segura certeza que já todos tínhamos saudades destes textos sábios e mordazes. Como manda a lei.
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Olhe que bom reencontrarmo-nos aqui, letra a letra. Obrigado pela simpatia.
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