
Estas mini-crónicas, as minhas Bicas Curtas, são publicadas, 3.ª, 4.ª e 5.ª, no CM. São escritas dia a dia e são reacções imediatas à actualidade. Trago-as para aqui, duas semanas depois, com o risco de já estarem ultrapassadas-
O milagre
Agora que a maior viagem que podemos fazer é a viagem em redor do nosso quarto, incapaz de dizer sobre o coronavírus algo que não tenha já sido dito, faço uma sugestão: leiam. Fujam das visões pestíferas com um livro divertido, cheio de personagens boémias, um bando de bons vagabundos, que sabiam o que fazer com o ócio, geniais a arrancar prazer de uma fatia de pobreza e de um ou dois copos de vinho. Também há uma lareira, o doce calor humano, cães e mesmo o milagre de um santo. “O Milagre de São Francisco”, romance de John Steinbeck, reensina-nos a beleza de não fazer nada. Lê-se num fósforo e põe-nos a boca e a alma a rir.
Coração gémeo
Mesmo se nunca acreditou na alma gémea, acredite, agora, no coração gémeo. A pesquisa de universidades belgas, inglesas e americanas desenvolveu um coração digital. Será um coração digital gémeo do seu e do meu. Com esse gémeo poderá monitorizar-se o coração humano e detectar problemas da função cardíaca. Levamos no peito o nosso coração e o médico pode observar no coração digital se caminhamos bem e dormirmos melhor – ainda que o coração gémeo não saiba com quem. Agora que andamos de coração tão aflito, é um belo pingo de esperança ver nascer o coração gémeo que, mais uns anos, não deixará falhar o nosso. Ou o dos nossos filhos.
Os médicos
Uma destas noites, Portugal veio à janela aplaudir médicos, enfermeiros, assistentes, essa mulheres e homens que se esfarrapam à exaustão para salvar vidas e vencer o sórdido vírus. São ainda mais heróis, digo eu, porque se batem por uma causa humilde: arriscam-se a morrer para garantir que depois de amanhã possamos sentar os nossos filhos ao colo e dar-lhes um beijo; para termos a alegria da bica curta numa esplanada; para que venhamos rir-nos para a rua e façamos as asneiras comezinhas sem as quais o raio da vida não é vida. Médicos heróis: sofrem e lutam, hoje, para gozarmos amanhã, sem cuidados, a vida banal de todos os dias