Em 2001, os especialistas confirmaram-na como obra de Michelangelo. A estrutura física e as proporções de ossos e músculos deste Crucificado corresponderiam ao estilo do artista, e o estilo é a assinatura. Agora, a compra da escultura pelo estado italiano reabriu a autoral controvérsia. Mas suponhamos para o que interessa que sim, que é de Michelangelo Buonarroti.
A datação da escultura em madeira determinou que deverá ter sido criada em 1492. Michelangelo, seu presumível criador, tinha então 18 anos, mas já razoável experiência de estudo anatómico de cadáveres exumados de cemitérios e igrejas.
Na cruz, um Cristo nu. Jovem e moldado por um jovem. Nem o corpo do crucificado, nem as mãos do escultor mostram sinais de conhecer o sofrimento, a tortura da carne, o desolado abandono. A verdade é que n Evangelho de João, presumível relato de relato do apóstolo que ficou à beira da Cruz, a assistir à morte do Filho, também narra assim, em silêncios e pose branda, a crucificação no Calvário.
Era o mais jovem dos apóstolos. Só os ausentes, inspirados no relato do também ausente Mateus, introduzem as notas dramáticas e a convulsão angustiada do corpo que sofre.
Lucas fala de um grande grito e de uma exclamação de alívio: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. Igual é o dramatismo dos relatos de Marcos e Mateus: contam ambos terem caído trevas sobre a terra, rasgando-se as cortinas do Templo enquanto se fendiam rochas e as sepulturas se abriam.
Nenhum destes sinais de martirologia é visível na madeira policroma do Cristo nu de Michelangelo. Vemos confiança na carne, na sua incorrupção, na preservação de uma harmonia eterna, tudo marcas do optimismo desabrido e orgulhoso dos 18 anos: de Michelangelo? Fosse quem fosse o escultor, desconhecia a agonia e quis negar a morte. Paradoxalmente é o mais cristão dos propósitos.
Um Cristo mais Cristo não vi. Nele existe o corpo jovem mas também a incorruptibilidade e a juventude eterna. Talvez o Cristo morto e já outro fosse semelhante. Quem sabe…Seja quem seja o seu autor, é o crucificado mais bonito que existe. Quase de certeza.
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Se me é permitido comentário mais profano, este é um James Dean na cruz.
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O Buonarroti gostava de corpos nus especialmente de efebos, não me admira que seja o autor do Cristo Nu. É a sua assinatura para a eternidade.
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De David a Cristo
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