Estava na Guerra e Paz, tinha acabado de me sentar, quando me deram a notícia: Agustina. Minutos depois, ligaram-me do CM, o Paulo Abreu, a perguntar-me se eu quereria escrever um testemunho.Disse-lhe que sim, mas que tinha de sair do choque. À tarde, à tarde. E mal ele desligou, já só queria pensar, evocar e escrever Agustina. Foi este o testemunho que pouco depois mandei para o Paulo.
É no choque que percebemos. Nunca pensei que gostasse tanto, fisicamente, de Agustina como percebi que gostava quando agora me disseram, “Manuel, morreu a Agustina”. O mesmo choque gelado que senti ao morreram-me pai e mãe, uma agulha que divaga e se espeta dentro de nós. Por dentro. Há coisas como admirar, respeitar, homenagear, tudo coisas que se fazem por fora, mas a morte de Agustina senti-a por dentro, com a dor que se sente, familiar, na breve e negra angústia de percebermos que perdemos sangue do nosso sangue.
Já sabia da sua doença, quando Agustina não pôde vir apresentar o seu tão delirantemente imaginativo “Fama e Segredo da História de Portugal”, que ela aceitou escrever para mim, como antes escrevera, “As Meninas” e o autobiográfico “Livro de Agustina.
Já sabia dessa doença e dos longos dias dessa ausência, dessa existência de anjo sorridente e distraído, que me dizem ter sido esta última década da sua vida. Devia, a sua morte, ter sido só uma formalidade. Não foi. Ao parar o coração de Agustina, foi uma forma de vida, de escrita, de genialidade que faleceu nesse coração desobediente. Uma parte do meu mundo tomba. Acredito: ressuscitará sempre que se leia um dos seus livros.
Publicado no CM