Em vez de vir aqui, à varanda com porta para a cozinha a que dei o nome de Meus Kambas, a Eugénia de Vasconcellos foi à Gulbenkian. Deu-lhe a tosse. A ela e a meia sala. Está a Brufens.
O Meus Kambas é que não perde pele demora. Depois da visita do Pedro Correia, daqui a poucos dias tem a visita do António Eça de Queiroz. Preparem-se.

Quem vai ao mar perde o lugar
Eugénia de Vasconcellos
Gulbenkian. Igor Levit. Eu como o diabo gosta. Entupida de antibióticos, mais Symbicort, Brufen, enfim, de um tudo: a alegria das farmácias. Sala quase cheia. E isto é um mistério gulbenkiano: são mil as vezes em que não se consegue um raio de um bilhete, dois lugares consecutivos então… é coisa da ordem dos milagres ou de uma previdência incompatível com o mundo, mas aceitamos, e entre milagres e previdências, vamos. E chegamos e zás, lugares vagos. E não é um nem são dois.
De quem são aquelas cadeiras? Vendem-nas? Licitam-nas? Posso ficar com uma e pregar-lhe uma tabuleta nos costados a dizer Eugénia de Vasconcellos?
Na verdade, isto até seria em benefício da própria Gulbenkian: daqui a um monte de anos, quando eu estiver a escrever noutro multiverso qualquer, neste, um diligente funcionário desta bela instituição poderia dizer: esta era a cadeira de EV, poeta tão extraordinária que para ser perfeita só lhe faltava a modéstia; é que não nos deslargava, nem durante a semana nem no dia do Senhor: era café, era Almedina, era jardim, era piano, orquestra, violino, ópera… vá, ao menos nas conferências era um calhar, quer dizer, vinha quando lhe calhava ao gosto e sentava-se onde calhava que só era esquisita no Grande Auditório – toda a gente sabe que os guias falam exactamente comme ça.
Quando era pequena e até ser grande, tudo se passava no cinema que era teatro. Lá, ia para a frisa. Era um descanso. Bem. Havia as precedências: tias velhas, primos mais velhos e depois, ao fim, os mais novos. Nunca havia dramas salvo quando havia ópera e não se dava a multiplicação das cadeiras que eram seis nem das sessões que em regra eram duas. Só nervos! Mas desperdício de cadeiras, não.
Hoje a sala portou-se malzinho. Telemóveis a tocar, três. Dois na primeira parte, um, na segunda. Tossicava-se aqui e respondia uma tosse cavernosa ali. É Janeiro. Uma senhora foi tão mas tão mal olhada e ssshhh ssssh durante um ataque de tosse que se levantou e saiu a meio da primeira parte. Se tivessem pedras… Regressou na segunda.
Confesso, também tossi. Só uma vez. O grande ataque de tosse do finzinho da primeira parte, fui eu. Azarucho, não conseguia respirar. Não saí. Paciência que eu também a tive e durante duas horas ininterruptas. Sim. Até no intervalo.
O senhor catarrento nas minhas costas, comentou tudo em directo. Tudo. Tossia. Comentava. Mas era um tossidor transazonal-fumador o que, como toda a gente sabe, é outro estatuto – permite insultar senhoras tossidoras sazonais não fumadoras, por exemplo. Não se calou. O tempo todo que o raio do homem gostava de se ouvir e, pior, já era um bom bocado surdo. Olha para isto, com a mão esquerda quando isto foi transcrito para as duas mãos por laialailai e ontem no Mezzo, sim porque eu é Mezzo e Bravo e laialailai. E mais do mesmo, que vergonha, não tem vergonha, nem têm vergonha, trazem gente desta que escolhe isto com tanta peça bonita que Schumann tem e laialailai. Sssssh… esta devia ir tossir lá para fora.
– Não fui eu, ó comentador tússico do inferno, cala-te lá bicho do ouvido que foi o meu alter ego que está sentado nesta cadeira vazia aqui ao lado!

Gosto sempre destes textos da EV, com tosse ou sem ela!
Só me lembra a cinemateca quando os telemóveis começam a pirilampar luzinhas irritantes que distraem o olhar. Como é bom um mundo educado!
As melhoras tússicas, cara Eugénia.
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Julgo que é o texto com mais tosse dos últimos anos. Belo texto, nem que fosse só por isso.
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