Se bem se lembram, eu venho de um maravilhoso blog colectivo que se chamava Escrever é Triste. Um título que intrigou muita gente, e que foi roubadinho ao grande poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade. No caso do meu artigo de hoje, diria que escrever até é fácil.
Nem foi preciso inspiração. Bastou-me ler os jornais. Eis o que li: um investigador israelista afirmou que a revelação divina dos «Dez Mandamentos», no Monte Sinai, foi o insólito resultado de Moisés ter, na altura, consumido alucinogéneos. Deus não foi tido nem achado ou, para dizer as coisas de maneira que até um tuíter de um certo presidente seria capaz de resumir, Moisés estava com uma pedra de todo o tamanho. Não admira que ouvisse vozes, não admira que tivesse visões.
O «estudo» (que os rabis se apressaram a designar com nomes, passe a ironia, pouco católicos) publicou-se na revista «Time and Mind». O autor, Benny Shanon, recusa, liminar, ter-se tratado de um acontecimento cósmico e sobrenatural, sustentando que Moisés, assim como o povo eleito que o seguia, usava psicotrópicos com adicta regularidade.
Shanon, que asseguro com total confiança não ter a mínima ligação aos inimigos figadais de Israel, investigou, declarando que o escolhido povo errante estava sob o efeito de estupefacientes. E foi nesse lindo estado que Moisés subiu aos picos do Monte Sinai.
Perguntam-me: então, a voz que ribombava como um trovão, a sarça ardente, a montanha fumegante? A resposta é simples: a culpa é da «peganum harmala», essa flor branca de cinco pétalas pontiagudas, cujas sementes Moisés deve ter mascado (?) antes de rebentar em soluços e visões. (Não se masca, bebe-se como um chá, mas já lá vamos).
A teoria de Shanon, especialista de psicologia cognitiva, é tudo menos inócua. Não parece ilícito concluirmos que a ética da civilização em que bebemos o leite materno – do «não matarás» ao «não furtarás», do «honrarás pai e mãe» ao «não desejarás a mulher do próximo» – se funda em Dez Mandamentos que mais não são, afinal, do que versículos de um profeta que estava, ao redigi-los, no mesmíssimo estupor de Allen Ginsberg quando desembestou a escrever o interminável «Uivo». Com a ressalva, valha-nos Deus, de que Moisés escrevia bem melhor.
Seja como for, vamos admitir (nem que seja por guloso exercício intelectual) que Moisés tivesse tomado ainda mais uma chávena (a forma canónica de consumo) da «peganum harmala». Mais uma chávena e, se calhar, avaliaríamos o mundo com a moral de um Jack, o Estripador. Mais uma chávena e hoje veríamos com outros olhos as «off-shores», os vários leaks, a dívida soberana e, em particular, a reluzente mulher do próximo.
Ah, já vemos? Pois sim, mas escusávamos de ter a carrada de complexos de culpa que nos aflige ou de suportar os tormentosos custos de tanta pensão de alimentos.