Dennis Hopper em tons de azul

Hopper
O belo Hopper a saber que é belo

Dá-se o caso de Dennis Hopper já ter chorado para mim. Para mim, mim, mesmo mim. Julgo que a coisa se passou há 28 anos, por volta do dia 1 de Junho e, em letra de forma, está tudo na Revista do Expresso de 8 de Junho de 1991, pgs. 85 a 87, numa entrevista que fiz a meias com o João Lopes. (Confesso, Hopper chorou metade para mim, a outra metade para o João Lopes – ou vice-versa)

Dennis Hopper tinha vindo a Portugal, convidado pelo Festival de Tróia, e dignou-se falar connosco. Apareceu-nos fresco, cheiro de Eternity, duche tomado há menos de 10 minutos, e os mais lindos olhos azuis que a face da terra já viu. (Sei bem que estou a falar de um homem, tal como de um homem, Gary Cooper, João Bénard um dia escreveu que era o mais bonito homem que a Criação teria gerado, e eu acredito e isso sossega-me). Dennis Hopper, dizia eu, trouxe os lindos olhos azul-turquesa e fê-los acompanhar por um displicente fato de seda (ou seria seda e linho) tão azul, tão turquesa, tão brilhante como os olhos dele.

Hopper azul
o fatinho azul de linho

Esmagou-nos com amabilidade, respondeu a tudo, e era tão pouco o que by the book tínhamos para lhe perguntar. E foi quando, blá, blá, blá, bad guys para a frente e actor do Método para trás, quisemos saber como é que se sentia por ter de ir procurar dentro de si mesmo e das suas experiências íntimas o mal , o “bad”, dos bad guys que representava. Hopper olhou-nos incrédulo e desatou no mais fingido pranto que nós, crédulos entrevistadores, poderíamos esperar: “Oh, oh, oh, I feel so bad”. Segundos terríveis de espera, doce incredulidade, e os olhos azuis turquesa de Hopper, brilhando mais do que o sol de Junho da península de Setúbal, voltaram a rir-se: “C’mon, not that bad. It’s all right!

It’s all right” foi um raio de luz que vindo dos olhos de Hopper me aqueceu e iluminou. Na altura, andava eu a deslambuzar-me de Barthes e a tentar fundamentalizar-me em meia dúzia de críticos norte-americanos, do Village Voice à pesporrência da Film Comment, e vinha-me um tipo de 55 anos, e com um simples “all right, ok” resumia tudo, fazia-me compreender e aceitar.

Hopper, a seguir, disse o que lhe apeteceu. Disse, por exemplo, que o so bad Frank Booth de Veludo Azul é um papel de comédia, mesmo que David Lynch (“ele é um escuteiro-chefe, sabem”) não o consiga perceber, e que o verdadeiro e único mau que sentiu mau (“o único papel catártico da minha carreira”) foi quando foi Paris Trout, do filme homónimo, em que contracenou com Barbara Hershey e Ed Harris (eram, digo agora eu, os três soberbos, num filme convulsivo e demente). Desviou um bocadinho a conversa para nos contar que poderia muito bem ter escrito um livro com o título “Seis Drogas e como as Usar para Representar” em que narrasse a viagem de bate fundo, muito fundo, com que se entreteve durante alguns anos. Lembro-me de Hopper contar que tinha em casa, espalhadas pelo chão, telas de Warhol e outros astros da pop art e que tripavam em cima delas, até darem cabo dos quadros ou lhos roubarem.

Falou, claro, de Easy Rider. Mas do que se lembrava muito bem era do gosto pelo risco que desenvolveu depois. Foi à universidade, a Huston, fazer uma demonstração aos estudantes. Fez um círculo com cargas de dinamite e pôs-se em pé no exacto centro desse círculo. Explodiu as cargas sem se mexer, nem pestanejar, saindo incólume da experiência. Antes tinha-nos explicado que um cineasta era como um construtor de capelas da Renascença. O título da entrevista fazia-lhe justiça: “Um psicopata de veludo”.

Hopper_Liz
do afago de Liz Taylor é que ele não disse nada