
O príncipe era mais maluco do que qualquer corista. Isso já o dramaturgo inglês Noël Coward sabia de ginjeira. Mas o que interessa é que estamos a meio de Setembro de 1924 e Noël vai a caminho de Nova Iorque, no SS Majestic, transatlântico de que é também passageiro o romancista Somerset Maugham.
Conheceram-se numa festa, no Tomorrow Club, que ainda hoje existe – o Pen Club. A presidente, Sappho, insólito nome literário, para a homófoba que ela era, convidara-o, apesar das reticências que advinham de ser Coward um pansy, ou seja, um “panilas”, em português relho e trebelho. Só que o talento do jovem Coward foi mais forte do que o preconceito cavernícola.
Entremos todos com Noël no Tomorrow Club: ele abre a porta, rutilante, vestido de gala, divina camisa branca, laço faiscante, a classe de um negríssimo fato. Sucede que os outros convidados estão com a modesta, informalíssima roupinha do dia a dia. Noël deixou que o vissem bem, gozou a delícia de 15 segundos de silêncio constrangido e de vinte pares de olhos arregalados. Depois, com voz compassiva, disse: “Bom, agora é minha vontade que ninguém se sinta embaraçado!” sublinhando com ternura a palavra nobody. Cumprimentou um a um os camaradas escritores e Somerset Maugham, que pela primeira vez via, deu-lhe um longo beijo, idiossincrática forma que achou para saudar o talento juvenil de Coward.
Somerset beijava, afinal, o rosto de quem talvez fosse amante do príncipe George, futuro duque de Kent, filho de George V, irmão dos futuros Eduardo VIII, tão breve, e Jorge VI, tão gago. Tio, enfim, da excelsa Isabel, recentemente chegada ao paraíso que é sair-se do dia a dia do palácio de Buckingham.
George tinha uma beleza que cruzava a allure de um Cary Grant, com a masculinidade de um Gary Cooper. Servira na Marinha Real e não era por a actriz Gertrude Lawrence o ter visto no seu camarim – enquanto esperava por Noël? – a experimentar uma peruca de longos caracóis, que a sua virilidade podia ser discutida.
George estava já em Nova Iorque, quando o SS Majestic atracou e Noël desembarcou. Até o cais exalava o acre cheiro do ciclone da libertinagem real. As digressões nocturnas do príncipe agitavam Long Island e Manhattan. O príncipe estava com o primo Dick Mountbatten e com a mulher deste, Edwina. Se a promiscuidade de Edwina era lendária, a devassidão nova-iorquina dos dois rapazes aristocratas não o foi menos: Nova Iorque assombrou-se com o irreprimível deboche. O príncipe tinha um insaciável apetite por mulheres negras, alegres jovenzinhos, e por um contentor de drogas, essa cocaína e morfina a que o introduzira a americana Kiki Preston, conhecida por “a menina da seringa de prata”. Eis o que era George, “voraz tanto com homens como mulheres, com aristocratas ou artistas, estranhos até.”
George era o mais prendado dos filhos de George V: falava francês e italiano, tocava, piano, fascinado pelas artes, pelo teatro. Se tivesse sido rei, disse alguém a Noël “Terias sido a amante do rei, não é?”
George morreria, aos 39 anos, num misterioso acidente de aviação, na II Guerra. A teoria da conspiração diz que foram os serviços secretos britânicos, abortando o envolvimento de George em negociações com os nazis. Deixou três filhos do casamento com a deliciosa princesa Marina, fora os ilegítimos, de legitíssimas noites de sexo. E deixou Noël lavado em lágrimas. Tantas que, no funeral, um marquês, primo de George, lhe sussurrou ao ouvido: “Sabes bem, Coward, que não podes ser a Viúva Real do Duque de Kent!”