
Podemos até esquecer-nos da cadeira, mas ninguém esquecerá nunca as pernas de Marlene Dietrich. Não obstante, foi a cadeira que Josef von Sternberg lhe pôs no meio das pernas, no “Anjo Azul”, que lançou a sua carreira.
Quem ia na cadeira da frente, no avião para Los Angeles, era o cineasta Peter Bogdanovich, ao lado dele o actor Ryan O’ Neal. Descobriram que na cadeira atrás ia Marlene. Puseram-se de joelhos, virados para trás, e começaram a falar com a alemã, que já ia em bem mais de 60 anos. E Bogdanovich atreve-se: “As pernas que Miss Dietrich tem!” Ela sorri: “Ó se tenho!” Dá uma palmada numa delas e provoca: “Umas coxas fantásticas.” O’ Neal arrisca: “Eu, na adolescência, sonhava com as suas pernas e acordava a gemer.” “Também eu, meu filho, também eu”, disse-lhe a nostálgica Marlene.
E o que eu queria dizer é que as pernas de Marlene foram incansáveis e insaciáveis. Não se prenderam nesses anos 30, 40 e 50 do século passado com questões de género. Deram-se à felicidade, porventura a algum desapontamento, a mulheres e homens.
Mas foram os olhos de um azul francês do actor Jean Gabin que mais e sempre a prenderam. Vivia com ele em afrontosa maridança, na casa que Gabin alugara a Greta Garbo, que vinha, descobriu Gabin, espiá-los à noite para ver se não lhe escavacam a mobília.
Gabin e Marlene, que o exílio e o anti-nazismo juntara, iam, por vezes, jantar fora com outros exilados, Jean Renoir e a mulher. Marlene aproveitava para arrastar a tremente mulher de Renoir para a casa de banho: só queria mostrar-lhe as pernas e que a senhora Renoir as elogiasse. E eram, confessa o marido, as mais belas pernas que já vira.
Foi por aí, 1940, que o cineasta Tay Garnett a convidou para fazer “Seven Sinners”, que em português se chamaria “A Pecadora”. Marlene seria, no filme, uma cantora, expulsa de ilha em ilha dos exóticos mares do Sul, pelo comportamento escandaloso. Um marinheiro viril, um jovem tenente, iria apaixonar-se e querer até casar com ela, contra os gritos de alarme dos amigos.
Garnett e o produtor Joe Pasternak queriam John Wayne para o papel, mas sabiam que Marlene tinha direito de escolha e era picuinhas. Levaram-na a almoçar ao refeitório da Universal. Numa estratégica mesa ao lado puseram o jovem John Wayne em ameno flirt com duas actrizes. Era impossível que a visão predadora da Dietrich não desse com aquele pedaço de homem.
Deu. Poucos minutos depois, Marlene apontou na direcção de Wayne, e aqui as mais autorizadas opiniões dividem-se. Garnett diz que ela lhe sussurrou ao ouvido “Paizinho, compra-me aquilo que ali está!”. Pasternak jura que ouviu distintamente: “A mamã quer aquilo ali para o Natal.”
Eles compraram o que a mamã queria e Wayne e Marlene tiveram um Natal escandalosamente feliz, que acabou com o casamento de Wayne, mas não acabou com o amor único de Gabin e Marlene. A placidez camponesa de Gabin e o seu cheiro operário entravam muito além das pernas em Marlene. Gabin detestava Hollywood e voltou para França. Casou e fez tudo para não voltar a ver Marlene. Ela casou, mais de conveniência, do que outra coisa, mas veio morar sozinha num apartamento, em Paris, em frente ao hotel onde ficara com Gabin: passava ali dias, sentada, com o actor Jean Marais, amante de Jean Cocteau, só a falar de Gabin e a olhar para a janela do quarto em que se tinham amado.
Morreu Gabin quase no mesmo dia em que morreu o marido de conveniência de Marlene. E eis a réplica que ela legou à eternidade: “Sou a única mulher no mundo que enviuvou duas vezes ao mesmo tempo.”
Publicado no Jornal de Negócios
As pernas da Dietrich eram de facto um monumento, suponho que estivessem no seguro. Era mordaz a senhora. E fazia o que lhe dava na realíssima gana. Estas suas crónicas no jornal de Negócios são um arrastar de luxúria. Mas com bons modos.
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Um luxo de pernas. Os bons modos é mesmo o que me resta 🙂
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A ela não se aplica “pernas para que vos quero”…
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🙂 nem mais!
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