
Na morte de Pelé nem uma lágrima. Um sorriso, um tremor apenas. Rola-me pela face um grão de nostalgia, julgo que a nostalgia de 1965, se é que lhe consigo dar uma data. Havia um cineminha num pequeno clube de Luanda, o Vila Clotilde, o Vilinha. Ou seja, havia uma tela e projectavam-se lá filmes. E, antes dos filmes, nessa Angola colonial, que nunca soube o que era televisão, exibiam-se imagens de actualidades. Eis o que vi, um URSS-Brasil. E não juro que tenha sido o que, nesse ano, se jogou na pátria dos sovietes, se o que se jogou no Maracanã.
Sei que era o “futebol científico” contra a imparável rebeldia do samba e bossa nova. E olhem, Pelé está à entrada do meio campo da URSS e metem-lhe a bola. Cai-lhe pela direita um russo e Pelé passa-lhe a bola em arco sobre a cabeça. Mas logo, pela esquerda, lhe tomba outro russo em cima. Sem deixar cair a bola que vem do primeiro arco, Pelé faz novo arco, em sentido contrário – ualálá – e o russo passa, perdido, como um comboio descarrilado, sem saber onde vai parar.
Esses dois movimentos estão gravados na minha cabeça nostálgica como dois arcos de uma capela perfeita. Já me esqueci de certos romances de Faulkner, de alguns contos de Borges, de um ou outro filme de Hawks. Do que fez o pé divino de Pelé, nessa jogada inútil, desinteressada, de pura ars gratia artis, há em mim um menino exaltado, eufórico, guloso, que nunca se esquecerá.
Nunca vi Pelé num estádio – ao contrário desse príncipe chamado Eusébio – mas soube, nessa matinée cheia de miúdos e miúdas de 12, 13 e 14 anos, que estava, num cinema de Luanda, a ver um rei.
Nem uma lágrima hoje, rei Pelé. Um grão de nostalgia, sim. A mais bela nostalgia, a nostalgia de 1965.
Sua Majestade, até já.
Extraordinário Pelé. Será, onde quer que esteja e para sempre, o extraordinário jogador de futebol.
Bom Ano 2023. Para o editor. E para o Manuel que será tantas coisas mais. Que a vida não seja madrasta no melhor dos mundos.
Um abraço
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Boa Ano, Bea, com prazer e algum riso.
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